Vinte anos depois, 176 autoridades governamentais (países) e 1400 entidades da sociedade civil (ONGs), compondo mais de 30 mil pessoas, se reuniram na cidade do Rio de Janeiro em 1992 para a realização da 2ª Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, conhecida também por ECO 92, uma das conferências mais emblemáticas já realizadas, e que apresentou ao mundo um quadro preocupante sobre a questão ambiental e aquecimento global, o que levou os países a assinarem vários acordos, entre eles a Agenda 21 e a Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas.
Em 2024, mais de 30 anos se passaram desde a Rio-92 e 50 anos desde Estocolmo-72, em que o alerta foi dado à humanidade, pois esses eventos já expressavam a necessária e urgente transição ecológica, estando essa necessidade expressa na publicação “A Transição Ecológica”2 , que abordou as preocupações sobre a interação negativa do homem com o ambiente físico, assim como na publicação “Nosso Futuro Comum”3 , que revelou os problemas ambientais estavam além da capacidade natural de recomposição e cientifica de apresentar soluções, além dos dados do aquecimento global e as falhas na camada de ozônio, e a publicação “Manual de Transição: da dependência do petróleo à resiliência local”4 , um manual com orientações para pôr uma cidade em movimento de transição.
Portanto, podemos considerar que o assunto da transição ecológica não é algo novo, mas volta com força ante os resultados climáticos violentos, cada vez mais intensos, que todos inequivocamente temos observado, vivenciado e sentido cotidianamente. A “transição ecológica” encontra rebatimento em diferentes esferas, além da questão das emissões de gases de efeito estufa, devido à queima de combustível fóssil que causa a aceleração do aquecimento global, tais como: economia competitiva e predatória, desflorestamentos para a produção de celulose e geração de pastos, superprodução de resíduos urbanos e industriais perigosos, agricultura industrial baseada em agrotóxicos prejudiciais à saúde e meio ambiente e uma visão de saúde centrada na doença e fármacos químicos perigosos, em contraposição à energias limpas e renováveis, economia justa e solidária, reciclagem, compostagem e biofertilizantes, uma produção orgânica e de incentivo familiar, e uma saúde centrada na pessoa e o rigoroso controle e eliminação de condicionantes deletérias de determinantes e determinações sociais de saúde.
Portanto, considerando meio século desde Estocolmo-72, já deveríamos estar em um estágio muito mais avançados e já ultrapassado esse período, do que desejosos por um processo de transição. Já dizia Albert Einstein: “Não podemos resolver nossos problemas com o mesmo pensamento que usamos quando os criamos”. De lá para cá, estamos apenas trabalhando na inclusão de poucos desvalidos, em uma sociedade talhada para uma produção e consumo insustentáveis para a manutenção da vida como a conhecemos.
No livro “A Lei da Entropia e o Processo Econômico”5 , se demonstrou que o processo econômico não é um sistema perpétuo, que alimenta a si mesmo de forma circular, sem perdas. O sistema econômico — hoje dominante, linear e predatório, como se os recursos naturais não fossem finitos — é alimentado pelos recursos naturais, que após sua utilização são transformados em rejeitos que não são gerenciados para serem reutilizados.
Pois bem, muito embora essa teoria tenha sua lógica, nunca fora verdadeiramente levada em consideração; afinal, sempre se imaginou que recursos naturais eram todos infinitos, e que aqueles que não fossem teriam em abundância na natureza.
Essa afirmação acabou sendo superada por si só com o passar dos anos, e hoje percebemos que os recursos naturais estão escassos — os chamados serviços ecossistêmicos estão cada vez mais comprometidos por superexploração, devastação, desertificação, poluição e contaminação de territórios — aliás situação ideal para acumular ainda mais capital. Dessa maneira o desenvolvimento humano sustentável é fundamental e urgente.
Afinal não há nenhuma atividade econômica no mundo que não precise de recursos naturais, e que uma vez desaparecendo, desaparece junto toda a atividade econômica como a conhecemos.
A bola da vez é um Desenvolvimento Humano Sustentável, isto é uma gestão equilibrada fundada no tripé da integração de práticas econômicas (solidárias), sociais (universalizadas) e ambientais (ecologicamente equilibrada); logo, é preciso entrar no domínio do pensar complexo, solidário para com o destino planetário, ajustando o convívio do homem com a natureza, visto que estão nela contidos os elementos e os meios que garantem a vida em sociedade e suprem materialmente as bases de criação e manutenção do corpo vegetal, animal e humano, em síntese, a adequada sobrevivência da presente e futuras gerações.
Em tese o plano de transição ecológica no Brasil e no Mundo tem por objetivo o
combate à crise do clima com justiça social, sustentabilidade, geração de empregos e aumento da produtividade com objetivo de tornar a economia mundial e brasileira mais sustentável, espelhadas expressamente nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, sucessor dos Objetivos do Milênio e da Agenda 21 que precisam ser relembrados. No entanto, no bojo dessas discussões e ações, é preciso exaustivamente lembrar que economia sustentável pode ser a insustentabilidade do desenvolvimento à médio e longo prazo, e que nem toda proposta sustentável de fato é, dependendo de diversos fatores condicionantes.
Com poucas críticas midiáticas, pois precisamos agir, a transição tem atenção
centrada na matriz energética, e que apesar de sua importância em função das mudanças climáticas, na verdade é tímido, uma vez que essa mesma energia independentemente da matriz, da maneira que é e será usada, ou seja, para manter os atos que geraram escassez de recursos naturais, é destruidora de mundos. E ao não impedir que processos necrocorporativos e necroeconômicos, deletérios ao meio ambiente e à saúde pública e coletiva sejam instalados, como por exemplo: produzir energia queimando insanamente milhares de toneladas de lixo reciclável e combustível fóssil, de fato podemos concluir que estamos bem longe de aproximação do discurso com a prática.
Nesse diapasão, e não abordado com firmeza nos referidos planos de transição
ecológica, está o incentivo e a expansão de processos que fazem uso intensivo de
combustível fóssil em várias partes do mundo e regiões do Brasil. Estamos sendo ameaçados pelo fantasma das termelétricas e incineradores, esse último disfarçado de unidades de recuperação de energia (UREs), ambos operados através da queima de quantidades exorbitantes de combustível fóssil e que se constitui, na prática, ofensa à Constituição Federal e à Política Nacional de Resíduos Sólidos.
A exemplo, está sendo planejada, numa linha de 75 quilômetros entre duas
grandes regiões metropolitanas, três incineradores (Santos, Mauá, Barueri no estado de São Paulo), que, juntos, terão a capacidade total próxima de queimar 6 mil toneladas de resíduos por dia e, com isso lançarão na atmosfera, diariamente, cerca de 4 mil toneladas de gases tóxicos e de efeito estufa, 1500 toneladas de resíduos sólidos perigosos, mais algumas milhares de toneladas de água contaminada.
Esquece-se com facilidade da frase bicentenária de Lavoisier, que “no mundo nada
se cria, nada se perde, tudo se transforma”, ou seja, tudo que entra para ser incinerado sai em uma forma ainda mais perigosa. Importante salientar que essa política retrógada na perspectiva do desenvolvimento humano sustentável, contou com total apoio de governos anteriores, nos níveis estadual e federal, e das empresas que operam e lucram com esse processo poluidor e sugador de recursos públicos e que vêm fazendo efetivo lobby junto aos governos locais.
Ainda sob o signo da transição ecológica e energética, para alimentar esse aumento e uso intensivo de combustível fóssil em incineradores e termelétricas, está sendo implantado um píer de descarga dos navios metaneiros, dentro da cidade de Santos, próximo à região urbana densamente povoada, sendo que um único tanque padrão de GNL4 (125 mil metros cúbicos) é equivalente a sete décimos de uma megatonelada de TNT, o mesmo que cerca de 55 bombas de Hiroshima, como apontam estudiosos no assunto (LOVINS & LOVINS, 2001). Os navios mais modernos carregam até o dobro dessa quantidade e em conjunto com o navio regaseificador somam um potencial energético de até 190 bombas de Hiroshima. O processo movido contra essa ameaça, realizada pelo Ministério Público com apoio da sociedade civil organizada, encontra-se sob a apreciação da Justiça.
Não obstante a boa intenção dos planos de apoio e de Transição Ecológica, posto que é um passo aparentemente positivo, mas é excessivamente tímido, e pode até mesmo ser inócuo para reverter ou atenuar a grave questão climática e ambiental, quando ainda não tratou da malsinada herança do governo anterior que no estouro da boiada empurrou goela baixo da sociedade Santista a implantação de um terminal que em caso de acidente catastrófico pode vir a pôr bens público e privados no chão e ceifar centenas, quiçá milhares de vidas, e sacudir a economia nacional, pois pelo Porto de Santos passa 1/3 do PIB nacional.
Em resumo, esses navios trarão combustíveis fósseis responsáveis pelas mudanças climáticas para serem queimados em termelétricas e incineradores disfarçados de URE, que poderá inviabilizar a sadia qualidade de vida da população Santista e região ao liberar substâncias conhecidas como moléculas da morte, além de aumentar a poluição na região com outros gases tóxicos e de efeito estufa; não resta dúvida que, apesar de teoricamente ter boas intenções, os planos na prática trazem omissões e, da maneira como são criados, não serão suficientes para que os objetivos ambientais e climáticos tenham êxito.
Corremos sério risco de ter uma resposta engendrada pelo mesmo pensamento
que gerou tais problemas ambientais. Não podemos continuar maculando e extraindo do planeta o que ele não está mais sendo capaz de suportar, para nos doar recursos gratuitamente para as nossas vidas. Nossos esforços devem ultrapassar as demandas emergentes e respostas ao saldo negativo, resultantes dos anos de descaso, a transição ecológica precisa também enfrentar o desafio de apontar para soluções mais permanentes, construindo processos de boa governança, democráticos de fato e amplamente participativo, com a inclusão da sociedade como um todo.
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