Para o bem ou para o mal, as escolhas destes eleitores vão determinar não só o destino dos seus países, mas também o futuro da democracia e da ordem internacional. O paradoxo, porém, é que no momento em que o maior número de pessoas em todo o mundo vai exercer o acto por excelência da democracia — o voto — a democracia está ela própria sob ataque. Sob ataque dos regimes autocráticos, no exterior, e das derivas iliberais e populistas no interior.
Longe vai o tempo do triunfo da democracia liberal e da universalização da democracia como único regime internacionalmente legítimo. E das políticas de promoção da democracia. Hoje, a democracia liberal está em retrocesso e à defesa. O número de democracias no mundo, o número de pessoas que vivem em regime democrático e a qualidade da democracia, todos estes três indicadores, estão em declínio. No seu relatório de 2023, a Freedom House confirma que há 17 anos consecutivos se regista uma queda progressiva dos indicadores das liberdades cívicas e políticas. E o Instituto V-Dem da Universidade de Gotemburgo, no seu relatório de 2023, afirma que, pela primeira vez em duas décadas, há hoje no mundo mais autocracias fechadas do que democracias liberais. E que 72% da população mundial vive sob regimes autocráticos ou em autocratização.
É este o contexto em que se vai disputar o ano eleitoral mais global da história. E é por isso que a prémio Nobel Maria Ressa dizia que, no fim de 2024, “saberemos se a democracia vive ou morre”. Porque as eleições em 2024 serão um teste à resiliência democrática. Todas as eleições. Mas, certamente, umas mais do que outras. No campo das autocracias como das democracias.
Na China, a eleição estava feita e Xi Jinping foi eleito por unanimidade para um histórico terceiro mandato, que lhe garantirá, provavelmente, um mandato vitalício. Na Rússia, Putin concorre, em Março, para o seu quinto mandato e não enfrentará qualquer oposição real. Todos os opositores possíveis estão presos, exilados ou envenenados. A vitória é certa e a coroação imperial também.
Tudo se joga, pois, no campo das democracias. Na Europa sob o efeito da inflação, da imigração, da corrupção e da fadiga da Guerra na Ucrânia, a direita radical tem vindo a conquistar posição. Está no poder em Itália, na Eslováquia e na Hungria, onde Orbán se tornou o modelo do iliberalismo. Venceu na Holanda e cresce na oposição, em França, na Alemanha, na Áustria e, pasme-se, em Portugal.
Mais importantes, porém, serão, em Junho, as eleições para o Parlamento Europeu. Nacionalista, eurocéptica e populista, a extrema-direita reforçará, certamente, a sua posição. Não chegará para ameaçar a hegemonia tripartida de sociais-democratas, democratas-cristãos e liberais, mas será suficiente para bloquear decisões e condicionar a agenda política dos partidos do centro moderado.
Mas, claro, decisiva, será a eleição presidencial americana, em Novembro. E o risco para a democracia e a ordem internacional será um regresso de Trump. Na política interna, significaria o ataque à independência do poder judicial, a tentativa de controlo dos media, a instrumentalização do Departamento de Justiça para perseguir os adversários, a promiscuidade entre interesse público e interesses privados e o Estado ao serviço de fins pessoais. E, pior que isso, nenhuma garantia teríamos de que as eleições americanas seguintes fossem livres e justas.
Na política externa, regressaria o bilateralismo transaccional, a hostilidade aos aliados e o fascínio pelos ditadores. A primeira decisão seria o fim do apoio à Ucrânia. E uma vitória da Rússia na Ucrânia não deixaria de encorajar outras ambições territoriais, particularmente, em Taiwan. É isso que está em jogo nas próximas eleições americanas: a democracia e a ordem internacional. Claro que os americanos não vão votar num ditador. Mas, atenção, os alemães em 1933 também não pensavam que iam votar num ditador.
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