quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

E se 2024 fosse o ano da esperança?

Se examinássemos as redes sociais globais de 2023 e as do início de 2024, veríamos que a palavra mais escrita e pronunciada foi a de esperança por um mundo melhor.

Desejamos isso um ao outro, em todas as línguas, de ponta a ponta do mapa. Dias atrás, porém, foram identificadas 522 mil menções de que o mundo iria acabar. É verdade que no fundo de cada um de nós a esperança ainda está viva?

O psicanalista brasileiro Christian Dunker afirmou que “há um clima de esperança no ar”. Será verdade? Com duas guerras em curso e ameaças de outras possíveis no ar? Com o medo da catástrofe climática? Com o ressurgimento de uma extrema direita niilista? Com o medo imposto pelas novas descobertas de máquinas inteligentes? Com a raiva quase universal que se respira de Leste a Oeste?


A verdade é que a esperança nunca foi uma flor fácil de crescer. O pessimismo acaba sendo muitas vezes mais resistente que a pura realidade. O medo dos antigos continua, às vezes adormecido e às vezes vivo, profundamente dentro de cada ser humano. E também esperança? Sim. E é por isso que o mundo ainda existe e é por isso que desejamos um ao outro esperança e felicidade nas últimas horas.

Tudo isto me fez recordar os anos de jovem estudante de teologia, na década de 1950, em Roma, onde tive a sorte de assistir a algumas aulas do então famoso dominicano Garrigou Lagrange, considerado um dos maiores teólogos de todos os tempos. Um de seus alunos foi, aliás, o Papa polonês João Paulo II quando estudou em Roma. Para aquele teólogo francês, foi criada uma nova disciplina até então desconhecida: a da teologia mística.

Numa conversa pessoal que tive com ele numa tarde de agosto quente em Roma, ele me confidenciou que das três virtudes cristãs da fé, da esperança e da caridade, para ele a mais difícil de todas na sua vida tinha sido a esperança. Ele não me disse por quê.

Depois de tantos anos, aquela palavra banal de esperança surge sempre das cinzas como uma fênix para nos lembrar que a vida é mais forte que a morte. Daí as profecias religiosas de que a vida não acaba, apenas transforma.

Para aqueles de nós que apostamos não no fim do mundo, mas num futuro melhor para nós e para aqueles que nos seguirão, este 2024 poderá também surpreender-nos com o ressurgimento de novos motivos de esperança. E se as duas guerras em curso que ameaçam a paz mundial terminassem? E se a enigmática inteligência artificial que ainda nos assusta finalmente nos desse novas possibilidades no campo da medicina para vivermos mais e melhor?

E se daquela direita extrema e sombria que parece querer nos sufocar, surgisse uma nova política como contrapeso vestida de uma nova democracia despojada da corrupção que hoje a domina? E se finalmente aqueles que governam os destinos do mundo tomassem consciência de que estamos realmente envenenando o planeta e se dedicassem a salvá-lo com o que atualmente gastam em armas e em vergonhosos interesses pessoais?

Esperança é uma palavra difícil de digerir, imersos como estamos em profecias de hecatombes pessoais e universais. E, no entanto, não há outro caminho ou melhor aspiração para quem vai pegar no nosso bastão do que aquela aposta difícil e teimosa, que nos lembra a já famosa frase do físico e matemático Galileu Galilei: “Eppur si muove” [Contudo, move-se], pronunciado no final do julgamento a que foi submetido em 1633 pelo Tribunal da Inquisição ao defender que a Terra se move em torno do Sol.

Nesta minha primeira coluna do novo ano quero apostar, como o rebelde matemático italiano há mais de quatro séculos, que apesar de todo o pessimismo que parece abraçar o mundo, a esperança estará no seguimento da palavra mágica e libertadora que deveria ser escrito na porta de cada casa e no coração de cada um de nós.

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