domingo, 7 de janeiro de 2024

É possível ensinar felicidade?

Sim, é verdade que nas prestigiadas universidades de Harvard e Yale o conceito de felicidade é hoje estudado como um novo assunto, algo que começa a se espalhar por outras universidades ao redor do mundo. No Brasil, por exemplo, vários centros universitários já começam a se interessar pelo que se chama de “psicologia positiva” para desvendar o complexo conceito de felicidade.

A questão que se coloca é se não seria melhor, neste momento histórico, estudar mais do que a felicidade, a infelicidade, a inquietação universal, o medo do futuro, a síndrome de ansiedade e o aumento dos medicamentos anti-pânico .

É sintomático, de fato, que o número de estudantes destas novas faculdades sobre o tema da felicidade aumente a cada dia. E talvez o que esteja a acontecer é que o aumento da inquietação universal, da incerteza sobre como será o futuro dos nossos filhos, esteja a fazer florescer em todo o mundo inúmeras receitas e ensinamentos sobre como alcançar a felicidade.
O problema subjacente é que ao mesmo tempo que cresce o desejo pelo estudo da felicidade , é cada vez mais difícil especificar as coordenadas desta dimensão humana que atinge também os animais. E o curioso em nossos dias de busca frenética pela felicidade é que o novo tema da psicologia positiva está simultaneamente mergulhando nos clássicos da antiguidade em busca de fórmulas contra a infelicidade.

Desde o conceito de inteligência emocional, que revolucionou a forma como nos relacionamos com os outros para aliviar as nossas frustrações, surgiram fórmulas para contrariar a infelicidade, por vezes à custa do falso escapismo através da química.

Não é de estranhar que na busca frenética se multipliquem publicações sobre a tentativa de definir felicidade ou infelicidade. No Brasil, na editora Sextante, o psiquiatra Daniel Martins de Barros acaba de publicar Viver é melhor sem precisar ser o melhor. Isto mostra que no final a felicidade não consiste, como sempre se pensou, na corrida para ser o primeiro, o mais inteligente, o mais rico, o mais aplaudido.

É por isso que acredito que mais do que fórmulas novas e criativas sobre como alcançar a felicidade, devemos estudar o que torna o ser humano infeliz hoje. Seria a melhor forma, mesmo sem atalhos e através de labirintos complexos, de descobrir o que é a verdadeira felicidade, ou melhor, o que não é.

E neste sentido é verdade que talvez a melhor forma de chegar a uma possível definição de felicidade, o que é seguramente impossível, seja a procura do que hoje gera infelicidade e inquietação, palavras hoje muito atuais.

Foi, com efeito, a chamada sociedade de consumo, o santuário do pior capitalismo, que injetou nas veias da modernidade aquela inquietação que obscurece qualquer esforço para adquirir a felicidade. Se um dia se identifica felicidade com riqueza e comodidade, com acumulação de dinheiro e de objetos, com a ambição de possuir, hoje começamos a entender, e isso, sim, é digno de novos estudos, o velho adágio de “Menos é mais”.

E essa é a sabedoria dos antigos filósofos e escolas de espiritualidade. Na verdade, um local repleto de móveis, por mais luxuoso que seja, não exala mais beleza do que a simplicidade das celas dos antigos monges que, despojados de quase tudo, eram os que mais viviam no seu ambiente e certamente os menos infelizes.

Sempre me impressionou, quando estudei os clássicos gregos e latinos, como eles conseguiam, com o mínimo de palavras, abraçar toda uma filosofia de vida que, curiosamente, hoje volta a ser atual em meio à novidade da inteligência artificial, para citar a última loucura inventada pelo Homo Sapiens e da qual talvez um dia ele se arrependa.

Os filósofos latinos cunharam uma expressão com apenas três palavras que poderia ser o coração de todos os estudos universitários hoje: In medio virtus . A virtude, e por ela os antigos filósofos entendiam a felicidade, está no meio, não nos extremos. O centro é o equilíbrio, calma, alegria contida. Também o silêncio que é o prelúdio da criatividade.

Na minha vida me deparei com personagens que sofreram não porque lhes faltasse alguma coisa, mas o contrário: porque tinham tudo de sobra e queriam mais. Não é verdade que a maior inquietação, a maior amargura se encontre entre os pobres, porque eles, ao contrário daqueles que têm muito de tudo e se cansam de ter tanto, sabem tirar alegria até dos poços mais profundos do seu abandono.

Não estou falando de política, mas de psicologia, porque a política, que hoje, em vez de imitar os sábios latinos de que a virtude está no centro e não nos extremos, insiste em correr cada vez mais para o extremismo e acabar assim desequilibrando a convivência universal. Extremistas de qualquer cor triunfam contra toda a sabedoria ancestral. A razão, a calma, a justiça, a moderação e a luta contra a injustiça estão em crise. Até as eleições políticas são vencidas pela estridência, pela extravagância, ou mesmo pelo regresso às velhas tiranias, embora por vezes disfarçadas de modernidade e novidade.

Nada é mais antigo, mais ultrapassado, mais desanimador, mais enlouquecedor do que o barulho não só dos velhos canhões de guerra, mas dos disfarces sutis da felicidade moderna.

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