Tudo o que já havia visto sobre o Holocausto, em fotos, vídeos e filmes, nem se compara à experiência tenebrosa da visita ao local. O maior espanto é constatar como a racionalidade humana é capaz de banalizar o mal. Por isso mesmo, não estranhei a reação de Dani Dayan, presidente do Centro para a Memória do Holocausto de Israel, ao criticar o uso da Estrela Amarela pelos diplomatas de seu país na reunião do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), na segunda-feira: “O emblema amarelo simboliza o desamparo do povo judeu. Hoje, temos um país independente e um exército forte, somos mestres do nosso próprio destino. Hoje, deveríamos colocar um botton de bandeira branca na lapela, não um emblema amarelo”, disse, sobre o uso indevido da Estrela de Davi.
Ao ostentar a estrela amarela na lapela com o slogan “Nunca Mais”, o embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan, afirmara que era um símbolo de orgulho e uma forma de lembrar que juraram se defender, e que o antissemitismo e o ódio aos judeus estão crescendo pelo mundo. No regime nazista na Alemanha e nos países ocupados na II Guerra Mundial, todos os judeus foram obrigados a usar uma estrela amarela costurada na roupa para serem identificados. Depois, nos campos de concentração, foram numerados com uma tatuagem no braço.
O uso da estrela amarela pelos diplomatas era uma remissão ao Holocausto, por causa do ataque terrorista do Hamas de 7 de outubro, no qual 1.400 pessoas foram assassinadas e 250 foram sequestradas em Israel. A retaliação de Israel é legitimada perante a opinião pública mundial não somente com a narrativa da luta contra o terrorismo, mas, também, com a memória dos fatos que mais mexem com corações e mentes dos judeus de todo o mundo, inclusive no Brasil: os campos de extermínio nazistas.
Em contrapartida, o repúdio ao massacre de crianças, mulheres e idosos em Gaza, que somam aproximadamente 75% dos 8,5 mil palestinos mortos pelo exército de Israel, extrapola o mundo árabe e mobiliza todo o Oriente muçulmano. Tornou-se o epicentro da nova “guerra fria” entre Estados Unidos e a Rússia, em lugar do conflito da Ucrânia. Não há o menor sinal de paz no horizonte. Nem mesmo um cessar-fogo humanitário, a não ser que seja aprovada alguma resolução no Conselho de Segurança da ONU, que vive seu maior impasse. A China, que hoje assume a presidência do colegiado, até agora foi espectadora privilegiada. Veremos qual será seu papel.
As notícias são desanimadoras. Há 240 reféns de Israel nas mãos do Hamas. O número de funcionários das Nações Unidas mortos na Faixa de Gaza aumentou para 67, segundo informação divulgada pela Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente. Um bombardeio no campo para refugiados na cidade de Jabalia, no norte de Gaza, deixou 50 mortos e mais de 300 feridos.
O coronel Richard Hecht, porta-voz do exército de Israel, confirmou que as forças armadas do país atacaram o campo para matar um dos comandantes do Hamas. Os rebeldes Houthis do Iêmen também entraram na guerra, que acontece a mais de 1.600km de sua sede em Sanaa, e lançaram drones e mísseis contra Israel. Continuam as escaramuças entre o Hezbollah e o exército israelense, na fronteira com o Líbano. Na Cisjordânia ocupada, os conflitos de rua com os soldados israelenses se intensificam.
Em 2009, o historiador britânico-judeu Tony Judt, que faleceu no ano seguinte, num antigo intitulado O que fazer?, vaticinou que a opção de deixar “mediocridades incompetentes” à frente de Israel e da Autoridade Palestina teria consequências catastróficas. “Graças ao tratamento abusivo dos palestinos pelo ‘Estado judeu’, o imbróglio israelense-palestino é o motivo mais iminente para o ressurgimento do antissemitismo em todo o mundo. É o fator mais eficiente no recrutamento de agentes para os movimentos islâmicos radicais. E priva de um sentindo as políticas externas dos Estados Unidos e da União Europeia para uma das regiões mais delicadas e instáveis do mundo. Algo diferente precisa ser feito.”
Para Judt, Israel vivia um drama existencial: continuar sendo um Estado judeu e deixar de ser uma democracia liberal, como propõe o premiê Benjamin Netanyahu, ou se tornar uma democracia multiétnica e deixar de ser um Estado judeu, com a anexação dos territórios palestinos ocupados. A terceira opção é empurrar os palestinos de Gaza para o deserto do Sinai e promover uma limpeza étnica nos territórios ocupados da Cisjordânia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário