Uma dessas almas nobres é o ministro do Trabalho, Luiz Marinho. O ex-sindicalista está incomodado com o liberalismo das relações entre a Uber e os motoristas que, voluntariamente, usam a plataforma para garantir o próprio sustento e o de suas famílias. O ministro quer melhorar a vida de mais de 1 milhão desses trabalhadores — que hoje escolhem o dia e o horário em que desejam trabalhar, que clientes aceitam, para onde topam fazer a corrida e por quanto tempo estão dispostos a ficar no batente. Sabendo, claro, que seus ganhos dependem dessas escolhas.
O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, em audiência na Câmara - Renato Araújo/Câmara dos Deputados
Caso queira sair do Brasil, o problema é do Uber, diz ministro do Trabalho; veja o vídeo
An Uber Eats delivery courier in New York - Amir Hamja/Bloomberg
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Como as negociações andam difíceis (envolvem remuneração mínima, seguridade social, segurança no trabalho, autonomia ou vínculo empregatício etc.), o ministro meteu o pé no acelerador, seguido de uma guinada à esquerda, sem dar seta:
— Se caso (sic) queira sair [do Brasil], o problema é só da Uber, porque outros concorrentes ocuparão esse espaço, como é no mercado normal.
E sugeriu o desenvolvimento de um aplicativo “mais humano”, que permita ao motorista “trabalhar sem a neura do lucro dos capitalistas” — missão entregue aos Correios, que, como estatal, não têm neura com a questão do prejuízo.
O “mercado normal” a que se refere o ministro deve ser aquele que ele abomina, justamente pela livre concorrência. Algo que, por sinal, já existe: não faltam outras plataformas no segmento (99, BlaBlaCar, inDriver). Todas, possivelmente, desumanas, eis que portadoras de NLC (Neura de Lucro Capitalista), enfermidade ainda não incluída no CID, mas endêmica nos países que geram riqueza.
Mas o ministro está certo. Se o Tinder não quiser garantir a seus usuários o direito a união estável, pensão, comunhão total (ou parcial, que seja) de bens — e insistir em mantê-los em condição análoga ao concubinato, sujeitos a ghosting (em português arcaico, “tomar chá de sumiço”) —, a Petrobras pode assumir o nicho dos apps de relacionamento. A petroleira tem experiência em encontrar parceiros: deu match com Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Galvão Engenharia, Mendes Junior, Odebrecht e Queiroz Galvão. E sempre encontrou bons partidos.
Se o iFood quiser ir embora, a Conab se encarrega — afinal, é a Companhia Nacional de Abastecimento. Se o Airbnb não se enquadrar na Lei do Inquilinato, entra a Caixa, com o Minha Casa por Temporada, Minha Vida.
O Estado não consegue garantir alfabetização, água encanada, esgoto, remédio e segurança. Mas se acha em condições de pegar, na porta de casa, em cinco minutos, o ilustre passageiro que foge do deficiente transporte público e de deixá-lo no destino. E por valor menor que o do táxi, tendo na direção alguém em pleno gozo dos direitos trabalhistas. É capaz até de voltar a oferecer uma balinha — agrado que a neura do lucro capitalista sonegou.
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