No fundo, foi como se, acerca destes últimos, seres humanos em busca de um futuro melhor, já nada houvesse a saber. Como se tudo o que lhes diz respeito fosse aborrecido e enfadonho (e, na verdade, não nos dissesse respeito…). Em jargão jornalístico, mais ou menos técnico: old news, storytelling a soar demasiado a déjà vu. Quando é que a morte de centenas de pessoas às portas da Europa, por excelência o continente do legado humanista, deixou de ser manchete e passou a nota de rodapé? As histórias daqueles migrantes, provenientes na sua maioria da Síria, do Egito e do Paquistão, inquietam-nos, mas são como ladainhas que, convenientemente, preferimos ignorar. Também nos chocam os paquetes estacionados ao largo do Reino Unido, repletos de pessoas tão indesejadas quanto invisíveis. Sensibilizam-nos ainda os que procuram um pouco de esperança, mas que logo são prontamente despachados para hotéis no Ruanda.
Nunca a demagogia ajudou a resolver problemas; não há respostas simples para problemas complexos. Que a Europa está a braços com uma grave crise migratória, à qual não tem conseguido dar uma resposta política digna, e que o Mediterrâneo – por paradoxo, o mar das civilizações da Antiguidade – está transformado num cemitério, isso, infelizmente, já nós sabemos. Mesmo que nos indigne o modo como alguns governos, nomeadamente o inglês, o grego ou o italiano, têm lidado com o problema, sabemos que as soluções não estão ali ao virar da esquina. Neste caldo de informação e de ruído de que estamos inundados, poderíamos, porém, redirecionar 1% da indignação inconsequente que fervilha pelas redes sociais para o Mediterrâneo.
Jornalistas não estão, naturalmente, isentos de responsabilidades. Por mais difícil que seja a batalha pela atenção, por mais frágil que seja a situação financeira das empresas de media, as escolhas editoriais importam, comportam valores e princípios – e riscos, claro. Privilegiar o ruído em detrimento de informação? Empolar os conflitos e ignorar os contextos? Destacar as emoções, em vez de destacar os factos e as explicações? Sobrevalorizar critérios de audiência em detrimento de critérios de valor-notícia? Tudo isto é admissível, racional sob determinado ponto de vista e, em muitos casos, até compreensível. Mas tem consequências – e é bom que não nos esqueçamos delas, não na hora de atribuir culpas, mas no momento de tirar conclusões.
Nunca, como hoje, houve tanta informação no mundo. Em quantidade e também em velocidade: são ambas avassaladoras, virtualmente impossível de reter pelo cérebro humano. (Um parêntesis apenas para notar que, não obstante, ainda existem regiões, sociedades fechadas e regimes imperscrutáveis, onde é muito difícil obter informação fidedigna – como a rebelião do Grupo Wagner, no fim de semana passado, veio comprovar.) O que isto não significa é que os cidadãos estejam a tomar melhores decisões, recorrendo ao mantra que os jornalistas – a começar por mim, evidentemente – gostam de repetir. A cientista Joana Gonçalves de Sá, do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas, prepara, para breve, a publicação de um estudo multidisciplinar sobre os processos de decisão e o modo como as pessoas lidam com a desinformação, que trará um contributo importante para esta questão.
Ainda é preciso aguardar pelas conclusões finais, mas a investigadora tem avançado algumas ideias importantes. Defende Joana Gonçalves de Sá que não existe uma relação linear entre aquilo que julgamos saber e aquilo que, de facto, sabemos. E, como a curva da confiança cresce mais rapidamente do que a do conhecimento, as pessoas mais suscetíveis a partilhar fake news, por exemplo, não são as que menos sabem, ao contrário do que intuitivamente poderíamos pensar. Antes aquelas que já têm alguma informação e que tendem a não acreditar em nada, a desconfiar de tudo. Portanto, a conclusão que há a tirar é a de que a ignorância tende a ser o melhor antídoto para o estado do mundo? Perturbador, no mínimo.
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