quinta-feira, 13 de julho de 2023

Insegurança alimentar se agravou na pandemia e atingiu mais de 70 milhões de brasileiros

A quantidade de brasileiros que enfrenta algum tipo de insegurança alimentar alcançou a marca de 70,3 milhões no Brasil, segundo relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) antecipado pelo GLOBO. De acordo com os dados, o número se refere ao período de 2020 a 2022, que engloba a pandemia de Covid-19, e representa um aumento de 14,6% em relação ao último levantamento da entidade, quando havia 61,3 milhões nessa situação. É como se uma a cada três pessoas no país tivesse passado necessidade para comer ao longo dos últimos anos.

Os números estão no relatório O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI). Os dados ainda revelam que desse total, 21,1 milhões, ou seja, 9,9% da população brasileira, possui insegurança alimentar severa, ou seja, ficaram sem comida por um ou mais dias. No levantamento anterior (2019 a 2021) esse número era de 15,4 milhões — um salto de 37%.

O Brasil atingiu uma marca negativa durante a pandemia ao voltar ao Mapa da Fome da ONU, o que não acontecia desde o início da década de 1990. Isso acontece quando mais de 2,5% da população enfrenta falta crônica de alimento. De acordo com dados da FAO, entre 2014 e 2016 eram cerca de 4 milhões os que sofriam de insegurança alimentar grave no país.

O professor Marcelo Neri, diretor do FGV Social, afirmou que os dados divulgados nesta quarta-feira são "chocantes", e apontou que, entre as causas, está a reação instável do país aos choques mundiais, como a pandemia.

— 1/3 da população com algum tipo de insegurança alimentar é muito chocante para um país conhecido como fazenda do mundo, como um dos maiores produtores de alimento do mundo — afirmou, completando: — Acho que o que está por trás é a nossa própria maneira de reagir aos choques externos, que foi instável. Teve uma instabilidade nas políticas de renda do Brasil, em 2021 o Auxílio Emergencial foi suspenso, tivemos eleições, desmonte nas políticas alimentares.

A desativação ou a interrupção de políticas como o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o Programa de Aquisição de Alimentos, programas para a agricultura familiar e queda de investimento nas merendas escolares estão entre as causas citadas por Nery para contribuir para o cenário mostrado no relatório.

O professor destaca que a perspectiva futura, com a retomada dessas medidas pelo governo federal, é positiva.

— Olhando para frente a gente tem uma visão mais positiva, porque não só esses programas voltaram como estão melhores. A gente tem o governo federal e os estados reajustando a merenda, um Bolsa Família maior, com maiores benefícios para crianças. O relatório mostra também a piora da desnutrição infantil, que gera efeitos de longo prazo.

O relatório O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI) mostra ainda que, em média, 735 milhões de pessoas passaram fome no mundo em 2022, um aumento de 122 milhões de pessoas em relação a 2019, antes da pandemia de covid-19.

O documento aponta entre as causas para o cenário os conflitos climáticos, a pandemia e cita, ainda, a guerra na Ucrânia. O levantamento é realizado em conjunto com cinco agências especializadas das Nações Unidas.

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) aponta que os números globais da fome ficaram estagnados entre 2021 e 2022, mas que, apesar disso, muitas regiões enfrentam crises alimentares cada vez mais profundas , como a Ásia Ocidental e todas as sub-regiões da África em 2022. Ásia e América Latina aparecem como regiões onde houve redução da fome.

A África continua sendo a região mais afetada do mundo, onde uma a cada cinco pessoas passam fome, mais do que o dobro da média global.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou durante o lançamento do relatório na sede da ONU em Nova York, que apesar de algumas regiões caminharem para alcançar as metas nutricionais até 2030, ainda é preciso um "esforço global intenso e imediato" para eliminar a fome dentro do prazo estabelecido.

— Há raios de esperança, algumas regiões estão a caminho de atingir algumas metas nutricionais até 2030. Mas, no geral, precisamos de um esforço global intenso e imediato para resgatar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Devemos construir resiliência contra as crises e choques que levam à insegurança alimentar — afirmou

O relatório mostra ainda que 29,6% da população global — ou seja, 2,4 bilhões de pessoas —, não tem acesso constante a alimentos e estão em situação de segurança alimentar moderada ou grave. Desse total, 900 milhões de indivíduos enfrentam segurança alimentar grave.

O relatório mede ainda a capacidade de pessoas em acessar dietas saudáveis. Em 2021, mais de 3,1 bilhões de pessoas no mundo não conseguiram ter acesso a esse tipo de alimentação, o que representa 42% da população.

Em 2022, 148 milhões de crianças menores de cinco anos (22,3%) tinham baixa estatura no mundo, 45 milhões (6,8%) sofriam de emaciação e 37 milhões (5,6%) tinham excesso de peso.

A insegurança alimentar afeta majoritariamente pessoas que vivem em áreas rurais — 33% dos adultos que vivem em áreas rurais e 25% em área urbana.

Entre as crianças, o déficit de crescimento infantil é maior em áreas rurais, 35,8%, do que nas urbanas, 22,4%. A emaciação — a perda de massa muscular e de gordura — é maior nas áreas rurais (10,5%) do que nas áreas urbanas (7,7%), enquanto o excesso de peso é maior nas áreas urbanas (5,4%) em comparação com as áreas rurais (3,5%).

O GLOBO ainda teve acesso com exclusividade ao número de famílias brasileiras que saíram da linha da pobreza em junho, quando passaram a receber mais que R$ 218 per capta com a transferência do Bolsa Família. O valor é o que o governo considera como mínimo para alguém ser considerado na faixa da pobreza. Ao todo, 18,5 milhões de famílias ultrapassaram esse patamar.

Os maiores avanços foram em São Paulo (2,2 milhões); Bahia (2,2 milhões); Rio de Janeiro (1,6 milhões); Pernambuco (1,4 milhões); e Minas Gerais (1,3 milhões).

Em março, o governo federal relançou o Bolsa Família com o valor mínimo de R$600 e o adicional de R$ 150 para crianças de até seis anos. Há, ainda, benefícios variáveis, como os R$ 50 para gestantes, crianças e adolescentes de até 18 anos.

O governo federal voltou ainda com as condicionantes, ou seja, condições que precisam ser cumpridas para garantir o repasse do auxílio pelo governo federal. Entre eles, estão: o acompanhamento pré-natal; acompanhamento do calendário nacional de vacinação; frequência escolar; e acompanhamento do estado nutricional de crianças.

A gestão de Jair Bolsonaro tinha substituído o benefício pelo Auxílio Brasil que, entre outros pontos, retirou as condicionantes e mudou critérios de repasse. O benefício foi alvo de auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU), que encontrou algumas irregularidades.

Entre elas, a Corte de Contas estimou, em dezembro do ano passado, que o governo federal pagava o benefício para 3,5 milhões de famílias com renda acima do necessário para ser beneficiado, o que representava um pagamento indevido de R$ 2 bilhões por mês.

A gestão anterior aumentou às vésperas da eleição o valor mínimo dos repasses para R$ 600. O tribunal, no entanto, apontou que o valor não ajudava a reduzir a pobreza e a desigualdade porque privilegiava famílias de apenas uma pessoa, em detrimento dos lares com crianças e adolescentes.

A permanência do valor do benefício foi um dos principais pontos da campanha do ex-presidente pela reeleição, que também apostou em um conjunto de "bondades" para quem recebia o benefício. Entre elas, estavam o 13º para mulheres. Como resultado, Bolsonaro passou a ser alvo de processos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelo uso de programas sociais para ter vantagens eleitorais.

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