sexta-feira, 26 de maio de 2023

Cobrar dos pobres para beneficiar os ricos

Não, não defendo que se deva taxar os pobres em benefício dos ricos. Pelo contrário procuro, mais uma vez, mostrar que é assim que funciona a estrutura tributária de muitos países, em especial a do Brasil. Tomo o exemplo dos aviões particulares.

Essa maneira caríssima e extremamente poluente de viajar é ruim para o planeta e para 99,999% da população; no entanto, recebe subsídios governamentais de diversas maneiras. Estima-se que os jatos privados emitam 10 vezes mais poluentes por passageiro que a já extremamente poluente aviação comercial. Estima-se, também, que o patrimônio líquido médio dos proprietários de jatos privados supere os US$100 milhões! No planeta, há cerca de 70 mil pessoas com patrimônio tão grande, o que faz com que os proprietários de jatos particulares representem 0,0008% da população global. Esses pouquíssimos exercem mais poder e influenciam mais as políticas públicas – inclusive a tributária! – que 99,99% da população, o que é razão suficiente para indagar se “democracia” teria se tornado uma fake word!

No Canadá existe, desde 2018, um imposto de 10% sobre o valor de jatos privados novos. Lá, assim como nos EUA, há a obrigação de a empresa proprietária justificar seu uso, para evitar que sirvam, com frequência, para o lazer de seus dirigentes e para fazer lobby. No Brasil inexiste exigência similar; assim, o lazer e o lobby desses ricaços reduzem o lucro tributável da empresa proprietária, diminuindo o imposto a pagar; ou seja, os custos são divididos pelo conjunto da população!


Em nosso país não se cobra o IPVA sobre jatinhos, mas sim sobre um carro barato e bem usado, assim como sobre o caminhão e o ônibus, mais uma vez onerando a população pobre em benefício dos muito ricos! Triste Brasil onde, apesar desses fatos, falar em elevar a tributação sobre os muito ricos tornou-se anátema!

Na União Europeia, e mesmo nos EUA, a estrutura tributária é progressiva – apesar de muitos “furos” que permitem esconder grana, inclusive em paraísos fiscais – enquanto, aqui, ela é regressiva. Dizer que taxar os muito ricos fará com que eles abandonem o país é balela: eles até poderão levar seus jatos, mas como levar os bois, as fazendas e as fábricas?

A “proibição” do debate sobre taxar os muito ricos se tornou tão forte que até o atual governo parece temer mencionar tal possibilidade de forma clara! Deve-se, porém, lembrar que a maioria dos congressistas brasileiros integra ou representa o grupo dos muito ricos; assim, falar em elevar impostos sobre essa pequeníssima faixa da população pode, sim, criar mais dificuldades no relacionamento entre Executivo e Legislativo! Sutilezas da democracia, que resguarda interesses dominantes de diversas e pouco claras maneiras!

No Brasil, a aviação privada – dita “aviação geral” embora seja tão exclusiva! – realizou, em 2020, 280 mil pousos e decolagens, contra 466 mil das companhias aéreas. No entanto, os aeroportos são construídos e mantidos, principalmente, pelo Estado, o que configura outro tipo de subsídio aos mais ricos, pagos pelos mais pobres.

Com o atual Congresso é difícil inverter a pirâmide tributária, mas essa inversão é essencial para o bem-estar da maioria dos brasileiros! Considerando que a frota brasileira de jatos privados é tida como a terceira maior do mundo, a questão é relevante e poderia contribuir para o equilíbrio das contas públicas, além de tornar o país menos desigual!

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