As joias – um conjunto de anel, colar, brincos e relógio masculino de diamantes – foram apreendidas no dia 29 de outubro de 2021, pela Receita Federal em Guarulhos. Estavam na mochila do assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que, em entrevista gravada pelos repórteres, afirmou se tratar de presentes para o ex e sua mulher Michelle. Albuquerque retornava de uma viagem oficial ao reino de bin Salman, com quem Bolsonaro falara dias antes.
À época, o Palácio do Planalto confirmou as sucessivas conversas telefônicas com o xeique – três em menos de dois meses – e a disposição do saudita de investir pesado nos leilões de petróleo brasileiro. Dois meses depois, o fundo Mubadala, do vizinho Emirados Árabes, arrematou, pela metade do preço, a refinaria Landulpho Alves (Rlam), localizada em São Francisco do Conde, na Bahia. A Rlam tinha sido avaliada entre R$ 17 e R$ 21 bilhões pelo Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) e foi vendida por R$ 10,1 bilhões. Al Saud, príncipe herdeiro dos Emirados, é amigo do peito do saudita bin Salman e seus países têm vários negócios petrolíferos casados.
As relações de Bolsonaro com bin Salman começaram em 2019, quando o ex visitou o Oriente Médio. “Estou apaixonado pela Arábia Saudita”, disse, ao avaliar a viagem e anunciar que o xeique destinaria ao Brasil US$ 10 bilhões do fundo soberano de seu país. O herdeiro teria ainda convidado o Brasil a integrar a Opep, seleto clube dos produtores de petróleo que, na prática, determina o preço do óleo bruto no mercado internacional.
Nem os bilhões de dólares prometidos nem a inserção do Brasil na Opep se materializaram, mas bin Salman continuou prestigiado pelo ex-presidente, que o tratava como “um irmão”. O então ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, apostava nos sauditas em privatizações e leilões de refinarias. Até a venda da Petrobras estava incluída nas especulações.
Confeccionado pela Chopard, uma das mais exclusivas e luxuosas joalherias do mundo, o presente avaliado em R$ 16,5 milhões nem fez cócegas na fortuna de US$ 1,4 trilhão de bin Salman, mas teve o efeito contrário ao pretendido pelo príncipe saudita. Deu e continua dando trabalho ao seu “irmão” brasileiro.
A história é toda cabeluda. Por maior que seja o contorcionismo que agora os ex-assessores de Bolsonaro e ele próprio tentam fazer, não há explicações plausíveis para o presente. Muito menos de ele ter sido acomodado em uma mochila de um assessor como peças que os viajantes tentam passar sem chamar atenção da aduana.
Mais esquisita ainda é a alegação de que ninguém na comitiva, a começar pelo ex-ministro que a chefiava, sabia do conteúdo das caixas que carregavam, o que dificulta – e muito – alterar a narrativa para um presente oficial. Pior: como justificar a insistência de Bolsonaro para recuperar as joias? Se eram do Estado, por que não declará-las previamente? E por que teriam de passar por uma “análise”, como aponta um documento apresentado pelo ex-chefe da Secretaria de Comunicação de Bolsonaro, Fabio Wajngarten, na tentativa de defender seu chefe? Ora, se era necessário avaliar se “deveriam ser incorporadas ao acervo privado do presidente da República ou ao acervo público da Presidência da República”, no mínimo pairavam dúvidas sobre o destino do presente.
O episódio agora será investigado pela Polícia Federal, que, se espera, conseguirá destrinchar o caso e as várias interrogações dele, incluindo as eventuais transações tenebrosas do ex com o reino saudita. Por hora, cabem todos os elogios aos funcionários da Receita que não se dobraram às investidas de Bolsonaro para liberar a preciosa carga.
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