Em 1871, os escravocratas aceitaram a Lei do Ventre Livre ao perceberem que ela soltava, mas não libertava aos filhos das escravas. Para soltar, basta retirar as algemas; para libertar, precisa dar um mapa para que o solto saiba orientar-se no caminho que escolher. Esse mapa vem da escola. Depois de 17 anos, repetiram a mesma estratégia, aprovando a Lei Áurea, que soltou, mas não libertou os escravos, por falta de escola que lhes daria o mapa para um emprego, renda, alternativas sociais.
O Brasil precisou esperar o século XXI para ter uma lei que assegura vaga na escola a toda criança brasileira, a partir dos 4 até os 17 anos de idade. Mesmo assim, a lei não é cumprida e a última trincheira da escravidão foi mantida sob a forma da escola desigual: “escola casa grande”, para alguns, e “escola senzala”, para a maioria.
Dezenas de quase-escravos foram soltos nas últimas semanas, mas, por falta de educação, milhões só encontram trabalho em condições semelhantes à escravidão. Eles não foram buscados na África, não podem ser vendidos, mas são condenados ao desemprego ou renda insuficiente, e são submetidos a formas escravocratas de trabalho. Felizmente, temos o Ministério Público desfazendo estas condições, mas estão apenas soltando, não estão libertando os escravos atuais, e deixam milhões de outros em situação semelhante, como forma para sobrevivência.
A última trincheira da escravidão continuará enquanto o Brasil não tiver um Sistema Único Nacional Público de Educação de Base para todos brasileiros, com a máxima qualidade, da primeira infância até o final do ensino médio, alfabetizando para a contemporaneidade, independente da renda e do endereço.
A partir dos anos 1860, a população brasileira começou a se mobilizar pela Abolição da Escravatura, mas não se vê movimento parecido para completar o que foi feito naquela época, eliminando agora a última trincheira da escravidão. Talvez nem os educadores, nem o Ministério da Educação tenham consciência desta responsabilidade, nem da contribuição dada pela Universidade Zumbi dos Palmares na tentativa de despertar o Brasil para o fato que soltar não é libertar. Libertar é educar quem foi solto.
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