quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Neandertal: as lições que eles nos ensinam 40 mil anos após sua extinção

Cuidavam dos jovens, velhos e doentes, criavam abrigos para se protegerem, suportavam invernos rigorosos e verões quentes e enterravam seus mortos. DNA neandertal que pode ter sido benéfico para os humanos há dezenas de milhares de anos agora parece causar problemas quando combinado com um estilo de vida ocidental moderno.

Os neandertais servem como um reflexo de nossa própria humanidade desde que foram descobertos em 1856. O que achamos que sabemos sobre eles foi moldado para se adequar às nossas tendências culturais, normas sociais e padrões científicos. Primeiro, se acreditava que eles seriam espécimes doentes. Em seguida, nossos primos subumanos primitivos. Agora ninguém duvida que eles eram humanos avançados.

Hoje sabemos que o Homo neanderthalensis era muito parecido conosco: no passado, nós convivemos com eles e nos cruzamos com frequência. Mas por que os neandertais foram extintos, enquanto nós sobrevivemos, prosperamos e acabamos dominando o planeta?


Os neandertais evoluíram há mais de 400 mil anos, provavelmente a partir do Homo heidelbergensis. Eles tiveram muito sucesso e se espalharam do Mediterrâneo para a Sibéria. Eles eram altamente inteligentes, com cérebros em média maiores que os do Homo sapiens.

Eles caçavam grandes animais, coletavam plantas, cogumelos e frutos do mar, controlavam o fogo para cozinhar, faziam ferramentas rebuscadas, vestiam peles de animais, faziam decorações de conchas e eram capazes de desenhar símbolos nas paredes das cavernas.

Eles cuidavam dos jovens, velhos e doentes, criavam abrigos para se protegerem, suportavam invernos rigorosos e verões quentes e enterravam seus mortos.

Os restos esqueléticos dos neandertais revelam que eles tinham um cérebro quase tão grande quanto o dos humanos modernos, então pode-se presumir que eles eram inteligentes e capazes de resolver problemas

Os neandertais encontraram nossos ancestrais inúmeras vezes ao longo de dezenas de milhares de anos. As duas espécies compartilharam o continente europeu por pelo menos 14 mil anos. Eles até tiveram relações sexuais.

A diferença mais significativa entre os neandertais e nossa espécie é que eles foram extintos há cerca de 40 mil anos. A causa exata de seu desaparecimento ainda é um mistério para nós, mas acreditamos que provavelmente foi o resultado de uma combinação de fatores.

Em primeiro lugar, o clima da última era glacial era altamente variável, indo do frio ao calor extremo e vice-versa, o que pressionava as fontes de alimentos de animais e plantas e significava que os neandertais tinham que se adaptar constantemente às mudanças ambientais.

Em segundo lugar, nunca chegou a haver muitos neandertais, já que a população total deles nunca ultrapassou dezenas de milhares de pessoas.

Eles viviam em pequenos grupos, de cinco a 15 indivíduos, em comparação com o Homo sapiens que formava grupos de até 150 indivíduos. Essas pequenas populações neandertais isoladas podem ter se tornado geneticamente cada vez mais insustentáveis.

O fato de os neandertais viverem em pequenos grupos foi, na opinião dos autores, um dos motivos da sua extinção

Terceiro, eles tiveram que competir com outros predadores, particularmente os grupos de humanos modernos que surgiram da África há cerca de 60 mil anos. Acreditamos que muitos neandertais podem ter sido assimilados nos grupos maiores de Homo sapiens.

Os neandertais deixaram inúmeras pistas para examinarmos dezenas de milhares de anos depois — muitas das quais podem ser vistas na exposição especial que ajudamos a organizar no Museu de História Natural da Dinamarca.

Nos últimos 150 anos, coletamos ossos fósseis, ferramentas de pedra e madeira, encontramos objetos e joias deixadas para trás, descobrimos cemitérios e agora mapeamos seu genoma a partir de DNA antigo. Parece que 99,7% do DNA de neandertais e humanos modernos é idêntico, e não há dúvida de que eles são nossos parentes extintos mais próximos.

Talvez o mais surpreendente seja a evidência de cruzamento que deixou vestígios de DNA neandertal em humanos vivos hoje.

Muitos europeus e asiáticos têm entre 1% e 4% de DNA neandertal. Os únicos humanos modernos sem traços genéticos de neandertais são as populações africanas localizadas ao sul do Saara. Ironicamente, com uma população mundial atual de cerca de 8 bilhões de pessoas, isso significa que nunca houve tanto DNA neandertal na Terra.

A análise do genoma neandertal nos ajuda a entender melhor sua aparência, pois há evidências de que alguns desenvolveram pele clara e cabelos ruivos muito antes do Homo sapiens. Os muitos genes que os neandertais e os humanos modernos compartilham estão relacionados a diversas coisas, desde a capacidade de saborear alimentos amargos até a capacidade de falar.

Também aumentamos nosso conhecimento sobre a saúde humana. Por exemplo, parte do DNA neandertal que pode ter sido benéfico para os humanos há dezenas de milhares de anos agora parece causar problemas quando combinado com um estilo de vida ocidental moderno.

Existem ligações com alcoolismo, obesidade, alergias, coagulação do sangue e depressão. Recentemente cientistas sugeriram que uma antiga variante genética neandertal poderia aumentar o risco de complicações graves para quem contrai covid-19.

Como os dinossauros, os neandertais não sabiam o que viria pela frente. A diferença é que os dinossauros desapareceram repentinamente após o impacto de um meteorito gigante vindo do espaço. A extinção dos neandertais ocorreu gradualmente.

Eles acabaram perdendo seu mundo — uma casa confortável que ocuparam com sucesso por centenas de milhares de anos, e que lentamente se voltou contra eles, até que a sua existência se tornou insustentável.

Os neandertais agora têm um propósito diferente. Nós enxergamos nosso reflexo neles. Eles não sabiam o que estava acontecendo com eles e não tiveram escolha a não ser continuar no caminho que acabou levando à sua extinção. Nós, por outro lado, estamos dolorosamente conscientes de nossa situação e do impacto que temos neste planeta.

A atividade humana está mudando o clima e está nos levando diretamente a uma sexta extinção em massa. Nós podemos refletir sobre a confusão em que nos metemos e fazer algo a respeito disso.

Se não queremos acabar como os neandertais, é melhor agirmos juntos e trabalharmos coletivamente por um futuro mais sustentável. A extinção dos neandertais nos lembra que nunca devemos tomar nossa existência como algo garantido.
Peter C. Kjærgaard, Mark Maslin e Trine Kellberg Nielsen, professores de História Evolutiva na Universidade de Copenhague (Dinamarca), de Ciências na University College London (Reino Unido) e de Arqueologia na Arthaus University (Dinamarca)

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