"Esta infeliz atitude de vestal, tutor e messias, do militar, recrudesceu recentemente gerando os acontecimentos a que todos estamos assistindo. (...) Oxalá os bons militares meditem sobre isso, reconsiderem e retornem, com humildade e patriotismo, para a singela posição que a Constituição lhes aponta."
Eu poderia ter pescado o parágrafo acima de uma coluna recente qualquer, mas foi em uma velha revista Realidade onde o encontrei.
O texto, assinado pelo contra-almirante Norton D. Boiteux, divide a página com um segundo artigo, de autoria do então deputado Anísio Rocha. Os dois respondem a uma pergunta enviada por um leitor: "É verdade que, no Brasil, todo o poder está na mão dos militares?"
Para bom brasileiro, não causa espanto que a resposta do militar seja sim, e a do deputado, não. O que de fato surpreende é a data da publicação: junho de 1966. O golpe militar já havia sido consumado há dois anos.
Rocha, no entanto, abre seu texto defendendo que "tanto o Poder Judiciário como o Poder Legislativo estão funcionando em toda a sua plenitude, em que pesem os Atos Institucionais surgidos com o advento da Revolução". (Corrigida pela inflação, a frase hoje soaria algo como "as instituições estão funcionando, apesar das ações do presidente".)
Os atos institucionais emitidos até 1966, e minimizados pelo deputado, cassaram mandatos, prenderam opositores, extinguiram partidos e tornaram indiretas as eleições para presidente e governador. Que dúvida poderia restar sobre as mãos que detinham o poder?
Voltemos ao presente. A Folha perguntou a seus leitores, na semana passada, se a democracia brasileira corre risco. Quão pertinente ou absurda essa questão vai soar no futuro, diante de tudo o que estamos vivendo?
Os historiadores dizem que o distanciamento é fundamental para que se compreenda um fenômeno. O problema do Brasil é que o tempo parece não passar: a história nem sequer chega a se repetir como farsa. A tragédia é contínua.
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