É óbvio que as Forças são usadas pelo presidente. São usadas sob autorização — estímulo — dos comandos militares. Usam-se. Servem-se. Não há submissos num arranjo de poder que configura o governo militar. Todos mui satisfeitos, os fardados comendo na frente — como lembra a reforma da Previdência que o Ministério da Defesa produziu para si.
Há uma sociedade. Os militares estão com Bolsonaro, ativamente, no projeto de golpear a instituição eleitoral — o que, repito, equivale a golpear a República. Fazem isso de barriga cheia. Essa turma tem nome e está no Planalto; ou não fomos informados de que, desde 2019, os helenos e ramos, usando estruturas públicas, GSI inclusive, operam para colher informações que subsidiem as teorias da conspiração disseminadas por Bolsonaro contra as urnas eletrônicas?
Não nos venham com esses papinhos de que militares incomodados (nunca sabemos quem são) estariam, por meio da ascensão do general Paulo Sérgio ao Ministério da Defesa, costurando, com o TSE, um antídoto à sanha corrosiva do presidente. Os fatos contam outra coisa.
Como se comporta o general que dirige o Ministério da Defesa? Agora, ele centraliza a relação com o TSE na esfera da Comissão de Transparência das Eleições. E querem nos fazer crer que isso seria bom sinal; da tentativa de esvaziamento da infiltração militar no tribunal. Pode-se esvaziá-la à vontade doravante. O estrago está feito.
Naquela ocasião, quando Braga Netto escolheu o braço que plantaria no TSE, ainda havia, no modo como se apregoou o currículo do general Portella, alguma preocupação em dar verniz técnico à jogada. Com Paulo Sérgio matando no peito, o que se informa é que nada mais será — nem sequer disfarçadamente — técnico e impessoal. O assunto é político e será tratado pelo general ministro da Defesa, o próprio espalhamento de uma instituição que, sob a leitura pervertida do Artigo 142 da Constituição, age como Poder especial da República, com alcance para intervir.
Quer entender, no mundo real, a dinâmica da queda do general Portella, apeado da tal comissão? Primeiro: cumpriu a missão. Segundo: é alguém ligado a Braga Netto. Há disputas políticas no interior do governo militar. Braga Netto botou seu homem no TSE e foi ser candidato a vice. Rei morto. Rei posto. O rei posto sendo também o que, convidado e legitimado como interlocutor em matéria eleitoral, fala de igual para igual com os Poderes. Para que intermediários? As questões diabólicas, conjunto cuja essência se resume em “a Justiça Eleitoral brasileira é desonesta”, já resultaram. Nunca precisaram de respostas. Agora é só avançar.
É maio de 2022. Vão-se três anos e cinco meses de um governo que sustenta estado permanente de confronto e instabilidade, para o que sempre colaboraram os militares. Não existe, nunca existiu, ministro da Defesa moderado de Bolsonaro. Ou se é moderado, ou se é ministro da Defesa de populista autocrata. Não dá mais para embarcar na de “Paulo Sérgio é o novo Fernando Azevedo e Silva” — até porque Azevedo e Silva jamais foi moderado.
Ou se é ministro da Defesa moderado, ou se sobrevoa, com o presidente, em helicóptero camuflado, manifestação pedindo “intervenção militar com Bolsonaro no Poder”? Isso foi em maio de 2020.
Quem era o comandante do Exército quando Pazuello, general, subiu em carro de som para — em afronta aos códigos militares — discursar em ato de campanha eleitoral antecipada de Bolsonaro? Paulo Sérgio. E o que ele fez? Colocou os seus no devido lugar ou ignorou o regramento e passou adiante a mensagem de que militar podia ser agente político?
Os coturnos estão sobre a mesa da atividade política.
Que norte para a moderação encontra-se na forma e no conteúdo com que o general reagiu à fala do ministro Barroso — observação tão correta quanto atrasada — sobre estarem as Forças Armadas orientadas a desqualificar o sistema eleitoral? Barroso não deveria ter falado. Muito menos deveria ter reagido o ministro da Defesa. Mas ele é agente político cujo “âmbito das competências” há muito deixou de ser sugestão ambígua.
“As forças desarmadas”, como Fachin definiu quem cuida de eleição, não é só sacada esperta. É expressão que coloca, ao menos em palavras, as coisas no lugar, já que um dos componentes que distinguem e fundamentam a jactância militar como Poder interventor é a condição armada. Exatamente uma das razões por que militar não pode se meter em política.
As coisas — as armas — não estão no lugar. Não fingir que estão ajuda.
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