Este não é um momento para mudar de assunto, de dar um tempo, de escrever sobre o começo do outono, sobre as pequenas esperanças e aflições que surgem no meio do caminho. Isto faz bem, mas no meio do caminho cresceu e se ramifica um projeto de poder autoritário bloqueando a passagem do futuro. O projeto bolsonarista de um segundo mandato representa uma ameaça real à democracia brasileira e precisa ser enfrentado. Trata-se uma escolha de vida.
Isto que os juristas chamam nos livros de Estado Constitucional de Direito, com maiúsculas, está sendo desconstruído em nossa frente diante da apatia preocupante dos demais poderes da República e da sociedade. Vale tudo. Do elogio da tortura à prática de corrupção e defesa de formas ditatoriais de governo. As anomalias são abertamente manifestadas, diante da omissão de órgãos dos demais poderes encarregados de opor limites aos abusos do executivo.
Aos poucos, os mecanismos de controle institucional e social sobre o governo Bolsonaro foram afrouxados. Exausta, a sociedade parece insensível e assiste sem reação à desembaraçada movimentação dos fascistas no governo.
Basta uma comparação com os mandados de outros presidentes eleitos no período pós-ditadura, em especial Lula e Dilma, para constatar uma nítida diferença. Bolsonaro reduziu a vigilância institucional sobre seu governo, ampliando largamente seu espaço de tolerância na mídia. Do impeachment há muito nem se fala. Um acerto com o presidente da Câmara encerrou a questão. Não se sabe a que preço.
Seu governo é considerado um fracasso político, econômico e social, com inflação e desemprego em níveis catastróficos. Conduzido por uma gestão primária e corrupta, em que ministros e funcionários são escolhidos por afinidades com a igreja evangélica, a extrema direita e os negócios paralelos. Qualquer outro governante estaria sob pressão mais intensa, conforme prescrito pelas leis de funcionamento da democracia.
O capitão investido de presidente limita-se a brincar e a fazer piadas quando indagado. Uma estatal manobra verbas via orçamento secreto, distribuídas para congressistas do Centrão. E daí? Na semana seguinte, Bolsonaro se reúne com pastores do MEC, pivôs de um escandaloso esquema de negócios dentro do ministério da Educação. São fatos que envolvem pessoalmente o presidente, em seguida colocados sob sigilo. Ato de censura que a Constituição proíbe.
Um país que se prepara para uma eleição historicamente decisiva precisa colocar em sua pauta os temas desta conversação. Eles mostram que estamos vivendo uma realidade fantasiosa, à beira do abismo. Uma realidade tem como pano de fundo uma sociedade marcada pela violência estrutural, a desigualdade, o racismo e outras formas de discriminação e violência estatal contra os pobres e os direitos básicos das pessoas.
Constitui um mistério que essa discussão seja mantida à sombra, encoberta pelas pesadas nuvens de uma ditadura que já passou e se arrastam de novo em nossa direção. É uma conversação necessária que não chega às ruas e à mesa do brasileiro. Não transita pelas esquinas, entra nas escolas, nas academias de pilates, nas antessalas dos teatros, nos botequins.
No entanto, está em jogo nossa escolha fundamental sobre como queremos viver, se sob opressão ou se prezamos o direito à liberdade, ameaçada por um sombrio silêncio a respeito do discurso e das práticas autoritárias da caricatura bisonha de um candidato a ditador fascista.
Um clima de violência política espalha-se sorrateiramente pelos ares e corredores, como um gás que sufoca e encobre a visão. Diante dessa tentativa de normalização da barbárie, o historiador e professor da UFRJ Francisco Carlos Teixeira propõe aos democratas uma saída. Diz ele que nesta eleição não vamos simplesmente eleger o novo presidente da República. “O momento histórico que vivemos é de combate ao fascismo. Não educar a opinião publica e ir de imediato para as trincheiras travar essa luta será um erro fundamental.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário