Os artistas de antigamente tinham o poder de criar estranhamentos e sacudir os pacatos cidadãos quando eles estavam alinhados demais. Este sacudão mostrava que a sobrevivência estava ameaçada pela inércia. Uma grande dose de ar puro (arte) era injetada de tempos em tempos nos pulmões das pessoas comuns. Os artistas eram incomuns. Hoje, somos todos artistas.
Logo, somos todos comuns. E todos enfileirados, alinhados. Nesta toada vem a contradição: criou-se o mundo da individualidade (o artista para si, o homem comum para si) mas, ao mesmo tempo, o mundo tecnocomputadorizado em escala mundial urra logo ali na porta e obriga a participar. Um individualista ferrenho usa cartão de crédito aceito em todo mundo, em todas as lojas. A propaganda individualiza o cidadão para que ele seja global. O cartão que ‘só você tem’ é o cartão de milhares de pessoas. Perplexidade a toda prova! O sonho de um mundo não linear (o linear era o da escrita pura) transformou-se num pesadelo. Porém, estranhamente, é um pesadelo do qual ninguém quer acordar. É o primeiro pesadelo quentinho, com música ambiente e cheirinho de sabão em pó com aloé vera.
Antes da chegada da era eletroeletrônica, o ser humano tinha um roteiro de vida: uma geração levava à outra. Hoje, as mudanças culturais são muito rápidas, minimizando as mudanças genéticas. Não temos mais começo, meio e finalidade. Apenas fazemos conexões e vamos indo. Se não cair, estamos ‘conectados com o mundo’. Mas não há no break para garantir a estabilidade emocional.
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