quinta-feira, 3 de março de 2022

Como guerra de Putin revela a ignorância no discurso público


Guerras, genocídio, crimes na Europa parecem exercer sobre alguns brasileiros um fascínio especial, o qual os inspira menos à reflexão do que a exibir, com bastante alarde, a própria ignorância








Quando um desses youtubers brasileiros neo-direitistas – o nome dele é Monark – afirmou, simplesmente porque lhe deu na telha, que se devia fundar um partido nazista no Brasil – ou seja, um partido visando o assassinato de adversários políticos, minorias étnicas e deficientes, além de legitimar campos de concentração e guerras ofensivas –, eu considerei tratar-se de mais um sintoma de uma dinâmica que já venho observando há bastante tempo. Sobretudo na internet, mas também nas mídias tradicionais e na política brasileira, estamos sendo confrontados com uma nova geração de ignorantes, prepotentes e burros.


Costumam ser pessoas que, em razão de uma projeção alcançada por caminhos duvidosos, se sentem com autoridade para dizer as maiores imbecilidades, sem pudor nem moderação. Eles se consideram corajosos por dizer coisas supostamente provocadoras ou tabus, ou que simplesmente soam bem aos seus ouvidos.

Na realidade, eles só têm uma boca deste tamanho, mas nenhuma informação. Fazem barulho, mas nunca leram um livro. Consideram-se espertos, mas seus raciocínios são de uma simploriedade arrepiante. Sabem o preço de tudo mas o valor de nada. São pessoas que nada qualifica a manifestar suas ideias ao grande público. Fazem muita confusão, mas por trás não há nada além de ar quente. São aqueles concidadãos sobre quem o filósofo britânico Bertrand Russel certa vez advertiu: "O problema com o mundo é que os estúpidos são excessivamente confiantes, e os inteligentes são cheios de dúvidas."

Pode-se observar esse fenômeno por toda parte, seja no YouTube, no rádio ou na televisão. Mas é também na política onde alardeiam suas opiniões, baseadas menos em saber do que, acima de tudo, numa crença prepotente nas próprias convicções.

Infelizmente há exemplos disso aos montes. Seja o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, afirmando que a escravidão foi "benéfica" para os escravos; ou Mário Frias, o secretário especial da Cultura, qualificado pelo próprio primo, o historiador Raul Milliet, como "inculto", "folgado" e "bajulador" – um julgamento que Frias faz todo possível para confirmar.

Ou o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, segundo quem Jair Bolsonaro evitou a Terceira Guerra Mundial e merecia o Nobel da Paz porque a visita do mandatário brasileiro ao ditador russo o fez "recuar" da invasão na Ucrânia. Pouco depois, Putin marchava sobre o país vizinho.

E assim chegamos ao tema: a ofensiva russa contra a Ucrânia, sobre a qual circulam no Brasil as mais diversas opiniões e teorias. O que mais me apavora é quanta ressonância a propaganda russa na internet encontra justamente entre certos esquerdistas brasileiros.

Movidos por um reflexo anti-imperialista, eles acreditam e partilham toda opinião em que os Estados Unidos, a Otan e a União Europeia sejam declarados verdadeiros culpados por todo o mal do mundo. Eles justificam o assalto de Putin repetindo o argumento do ditador de que haveria na Ucrânia neonazistas que até mesmo definem a política do país (embora o próprio presidente ucraniano seja judeu). Com o argumento da existência de neonazistas, se poderia invadir e bombardear quase todo país do mundo, inclusive a Alemanha e o Brasil.

Especialmente peculiar é também a admiração do anticomunista ferrenho Jair Bolsonaro pelo ex-agente da KGB Vladimir Putin. Ao declarar a neutralidade do Brasil na guerra na Ucrânia, Bolsonaro alinha o país com as ditaduras socialistas da Venezuela, Cuba, Nicarágua, Belarus, China e Coreia do Norte. E assim, por uma vez na vida, o presidente e uma parte da esquerda brasileira estão de acordo.

Uma prova dos distúrbios intelectuais e hormonais que a guerra na Ucrânia desencadeia no Brasil é a reação do deputado estadual e pré-candidato ao governo de São Paulo, Arthur do Val (Podemos-SP), que está a caminho da fronteira da Ucrânia com a Eslováquia, junto com o coordenador nacional do MBL, Renan Santos. Segundo este, a dupla viajou para relatar o que está ocorrendo na região.

Fico muito curioso sobre o que os dois vão relatar. Pergunto-me se algum deles fala ucraniano ou russo, eslovaco ou polonês? Qual é seu conhecimento prévio sobre a região, com que especialistas falaram, que livros leram? Parece-me uma empreitada cuja meta não é realmente descobrir e relatar algo sobre a guerra, mas sim se colocar em cena, se aproveitar da guerra como palco.

Assim como Monark, para se fazer de importante, usou um acontecimento pavoroso da Europa, do qual não entendia nada e com que não tinha qualquer relação, os dois jovens políticos pretendem transformar o assalto militar da Rússia à Ucrânia num trampolim para suas próprias carreiras.
Philipp Lichterbeck

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