terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Receita Federal no plano de demolição

O clima na Receita Federal era, na véspera do Natal, de “indignação coletiva”, na definição de uma fonte. “Essa é a maior crise da história”, completou. Mas o que acontece lá não é fato isolado. O governo Bolsonaro tem feito um ataque sistemático ao Estado usando um arsenal conhecido. Corta cabeças de lideranças com alguma autonomia, aparelha e, depois, seca recursos. Assim ele fez com Ibama, ICMbio, IPHAN, Funai, Fundação Palmares, Ministério da Educação, Ministério da Saúde.

Na Receita, o governo cortou dinheiro da manutenção da máquina para ter recursos para aumentar salários da Polícia Federal. Ela mesma, a PF, enfrentou um vistoso caso de intervenção do presidente para retirar sua autonomia e colocá-la a serviço da sua família, como o próprio presidente confessou com palavras chulas naquela famosa reunião ministerial.


Na Receita, centenas de auditores entregaram seus cargos de direção, o que deixa setores e unidades do órgão acéfalos. Além disso, 44 integrantes do CARF, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, pediram exoneração. A Receita permanece ainda sem corregedor. E isso é importante para entender a crise. O antigo secretário José Tostes Neto escolheu um candidato para a corregedoria, que foi aprovado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, mas foi vetado pela Casa Civil. Já é humilhante ter que enviar à Casa Civil o nome de alguém do segundo escalão do Ministério. Subserviente como é, Paulo Guedes aceitou. Pior. Demitiu o secretário com uma frase esclarecedora: “O presidente quer o seu cargo”.

Nunca se explicou a demissão de José Tostes. O Ministério fez circular a informação de que ele seria adido na OCDE. Era mentira. O cargo é exclusivo de pessoal da ativa, Tostes é aposentado.

Tostes não é conhecido do público, tem horror a entrevistas, e afundou-se no silêncio. Mas um detalhe dessa demissão é curioso: o governo tem comemorado o aumento da arrecadação em 2021. Mesmo assim demitiu o secretário? Durante seu período no cargo, Tostes Neto teve três reuniões com o senador Flávio Bolsonaro ou seus advogados. Numa delas, o ex-secretário chegou até a ir à casa do senador. Tostes Neto admitiu que foi lá para “discutir a situação fiscal de pessoas físicas e jurídicas relacionadas ao senador Flávio Bolsonaro”. Um espanto essa entrega a domicílio qualquer que seja. Mas o governo queria mais do que isso. E Tostes Neto teria negado.

O senador Flávio Bolsonaro mandou carta para mim, através da assessoria, negando que tenha qualquer ingerência na Receita e garante que nunca interferiu. Segundo ele, dizer que houve interferência — como eu disse e sustento — é “desrespeitoso com a maioria dos servidores da Receita”. Ora, ora, quem desrespeita a Receita não é uma jornalista e sim o cotidiano desse governo que tem como objetivo capturar os órgãos de Estado para que eles funcionem em torno dos objetivos escusos da família do presidente e dos seus amigos.

Bolsonaro é criminoso confesso em muitos casos de obstrução do trabalho dos servidores. Fez isso no IPHAN e, como ele mesmo informou, para atender ao interesse empresarial de um amigo dele, Luciano Hang. Isso é crime. Beneficiar interesses privados, usando um órgão público cuja existência ele admitiu desconhecer. Recado ao presidente: O “PH” da sigla IPHAN significa patrimônio histórico, Bolsonaro, mas certamente isso escapa ao seu entendimento raso e tosco do que seja o Estado brasileiro. Seu trabalho tem sido de demolição do Estado.

No caso da Receita, há o projeto de um bônus já aprovado e depois barrado. Mas a gota d’água foi a decisão do ministro Paulo Guedes de indicar verbas da Receita, que permitem o funcionamento do órgão, para os cortes que garantirão os quase R$ 2 bi que vão elevar o salário da Polícia Federal. Isso foi atear fogo à gasolina. O ministro fez isso e saiu de férias.

O aumento na PF é a forma de comprar lealdade dos agentes e delegados depois de o órgão ter sofrido a mais violenta intervenção. O presidente mesmo admitiu que faria isso, em meio a palavrões com os quais informou aos seus ministros que queria proteger a família e os amigos. Os órgãos ambientais, de proteção dos indígenas e de defesa da igualdade racial vivem a infâmia diária desde o começo do governo. Tudo é parte do mesmo projeto de destruição e ocupação da máquina. Da terra arrasada, o Brasil precisará se reerguer.

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