Já estamos na terceira década do século 21. Agora olhamos o século 20 como de fato século passado. Para quem tem 20 anos hoje, o século 20 é como para nós, nascidos nele, o século 19 fora.
Existem muitas formas de tempo. O biológico —o envelhecimento—, o cósmico e o natural —o tempo do Universo e da natureza—, o social —frutos das relações materiais do mundo—, o psicológico —a experiência interna da consciência—, o histórico —fruto das narrativas documentadas do passado— e o político —o tempo das transformações e ações dos agentes e instituições políticas.
Há um caráter atípico dos últimos 300 anos: o processo de modernização. O senso comum, que vive pela suposição de que o mundo seja um mar calmo de evidências, pode se dar ao luxo de crer nas ilusões e expectativas criadas pelas utopias da primeira modernização, aquela do final do século 18, que se espraia ao longo do 19, até a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a Revolução Russa (1917 e 1923).
Quais eram essas utopias? Progresso técnico e científico que gerariam progresso social, psicológico, político. Fé de que ali onde Deus falhara, nós teríamos sucesso: o mundo avançaria a passos largos, e cada vez mais acelerados, em direção a um futuro cada vez mais glorioso em todos os sentidos. Os jovens que nascessem ao longo desse processo seriam seres humanos cada vez mais evoluídos.
Essa forma de crença permanece ativa até hoje na fala das pessoas. A ideia de que evoluímos, assim como evoluem as gerações de iPhones, permeia as relações diárias, quando a conversa entre pessoas faz um desvio em direção a visões supostamente mais profundas acerca do nosso tempo. Para muitas pessoas que vivem o luxo da ilusão da evolução histórica, essa forma de crença é um dado da realidade como são as pandemias, os trovões e os relâmpagos.
Há que se reconhecer que muito do pensamento profissional é bastante responsável por essa ilusão. Termos como “progressista” e “conservador”, usados no dia a dia para identificar pessoas e formas de análise do mundo —típicos do vocabulário da primeira modernização—, traem esse perfil.
Mas existem outras formas eruditas de apreciação da modernidade e do contemporâneo que oferecem um olhar mais consistente sobre nosso tempo.
“Histórias de Conceitos” do historiador alemão Reinhart Koselleck (1923-2006), recém-publicado pela editora Contraponto, é um exemplo magistral do que é esse olhar. O autor tem outros títulos publicados no Brasil, entre eles, uma pequena coletânea de ensaios cujo título é “Uma Latente Filosofia do Tempo” pela editora da Unesp. Essa edição conta, também, com uma vigorosa introdução escrita pela historiadora e professora da UFMG Thamara de Oliveira Rodrigues.
Recomendo para quem se interessar em ensaiar um distanciamento da ilusão com relação à experiência moderna ao longo do século 21.
Muitos criticam Koselleck como um historiador conservador, qualificação que, no mundo da mídia, normalmente, é um indicativo de quem não é de confiança para as pessoas de bem. Para Koselleck, a modernização implicou um adensamento da aceleração do tempo, ou seja, o processo descrito aqui, como fruto do impacto das transformações em várias esferas da vida —psicológica, social, política.
Mas o século 21 tende a uma espécie de estagnação dessa aceleração ou uma desaceleração do tempo. Como assim? Ainda que inovações técnicas ocorram, as utopias que organizaram o “horizonte de expectativas” —lugar das utopias modernas, entre outras coisas— se desfizeram. A partir da dobradinha das duas grandes guerras, da Revolução Russa e da gripe espanhola, só a ignorância ou a má-fé podem sustentar essas expectativas redentoras.
Para quem se prepara para 2022 em meio à parafernália da pandemia atual, só o luto dessas utopias pode significar algum nível de amadurecimento. A história anda em círculos e não vai para lugar algum. Como diria o historiador Jacob Burckhardt (1818-1897), a história narra “o homem como sempre foi, como é, e será, se esforçando, agindo, sofrendo”.
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