Nos mesmos jornais que publicam essas notícias, lemos também sobre os bilhões de reais ou dólares que o mercado financeiro nacional ganha com negócios cotidianos, aquisições e IPOs, apesar dos desmandos de Jair Bolsonaro, Paulo Guedes e o Centrão. Li hoje que uma fintech que nunca deu muito lucro até o momento vai abrir o capital em Nova York e, se tudo der certo (para ela), o seu valor pode superar o dos bancos Itaú e Bradesco. “O Brasil está barato”, festejam os bilionários de todas as áreas, que estão comprando tudo o que acham que vale a pena ser comprado.
Estou muito longe de acreditar em socialismo e de ser entusiasta de Thomas Piketty, o francês maluco por impostos; concordo que o capitalismo é o único sistema que se provou capaz de gerar riqueza para a sociedade; sei que os indivíduos não são iguais em suas capacidades. Mas também é ridiculamente fácil perceber que as assimetrias no Brasil estão cada vez maiores, com os ricos cada vez mais ricos, a classe média cada vez mais apertada e os pobres cada vez mais pobres. Nunca fomos realmente bons no quesito crescimento econômico, os nossos avanços têm sido inerciais há décadas, as clivagens sociais sempre foram grandes no país — e, no entanto, parece que aceleramos a escavação de todos esses buracos.
No livro A Riqueza e a Pobreza das Nações, o historiador americano David Landes mostra como os países que superaram a pobreza o fizeram por meio de imperativos morais e culturais que deram suporte ao desenvolvimento da economia. Mais de 20 anos atrás, ao examinar a desigualdade entre as nações, David Landes afirmou: “Vivemos num mundo de desigualdade e diversidade. Este mundo está dividido, grosso modo, em três espécies de nações: aquelas em que as pessoas gastam rios de dinheiro para não ganhar peso, aquelas em que as pessoas comem para viver e aquelas cuja população não sabe de onde virá a próxima refeição”.
O Brasil, que na década de 1970 foi classificado pelo economista Edmar Bacha de “Belíndia”, uma mistura de Bélgica e Índia, abriga este mundo dividido, de maneira cruel e desanimadora. Os diversos governos têm enorme parcela de culpa, ninguém precisa repetir que eles fizeram e fazem tudo errado, mas o topo da pirâmide não pode ser eximido de responsabilidade. Faltam imperativos morais e culturais aos ricos brasileiros, com as exceções que confirmam a regra. A nossa elite, em boa parte beneficiada pelo capitalismo de estado, pelo patrimonialismo e pelas relações de compadrio, serve-se igualmente de um povo bestializado pela ignorância e pelo assistencialismo que retroalimentam o sistema perverso, além de escorchar a classe média com margens de lucro francamente indecentes.
Capitalismo só funciona de verdade quando mata a fome, cria oportunidades, educa, faz os pobres menos pobres, alarga a classe média e proporciona bem-estar à maioria dos cidadãos. Capitalismo não funciona de verdade quando dá as costas para a fome, elimina oportunidades, deseduca, faz os pobres mais pobres, explora a classe média e só proporciona bem-estar a quem está do lado de lá do vidro blindado. Esse capitalismo que não funciona de verdade é ainda mais disfuncional quando se atravessa uma crise como a que vivemos neste momento. E não há propaganda boazinha de TV ou ato de benemerência que escondam o problema de fundo.
Viva o capitalismo, mas não o dos capitalistas brasileiros.
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