Quanto mais forte o poder, mais impune o bobo. Num sistema que não teme o ridículo o bobo é o homem mais livre e mais inconsequente da corte. Seu único risco ocupacional é o rei não entender a piada. A consciência do império, como o tal que frequentava a orelha de César, é um bobo que subiu na vida. Com pouco mais tempo de serviço chegará a filósofo, um pouquinho mais e se aposenta como oráculo. Cada vez mais longe do poder, portanto. Não foram os sábios epigramas de Hamlet que derrubaram o rei. Que eu me lembre, foi um florete com a ponta envenenada. O que não é piada.
A troça só preocupa o poder bastardo, que tem dúvidas sobre a própria legitimidade. O estado totalitário é uma paródia da monarquia absoluta, e quem denunciar a farsa, denuncia tudo. Nesse caso toda piada tem a ponta envenenada, todo bobo é uma ameaça. O alvo principal da irreverência nunca é o poder, é a reverência em si. Um poder secular que exige respeito religioso está exposto ao ridículo por todos os lados. O rei não está apenas nu, não é nem rei. Não é certo dizer que nenhuma ditadura tem senso de humor. Pelo contrário, têm um senso agudo do ridículo. Entendem todas as piadas. Mil vezes a respeitosa atenção de uma junta de coronéis modernos do que a distraída condescendência das antigas cortes, é o que qualquer bobo lhe dirá, minutos antes de ser fuzilado.
Luis Fernando Verissimo
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