Pelos corredores da ONU, reuniões informais ou conversas sigilosas entre atores da cena internacional, falar em Jair Bolsonaro (sem partido) é a garantia de ouvir dos interlocutores estrangeiros reclamações, denúncias e ironias, nem todas elas finas.
Com uma reputação destruída, o presidente chega às Nações Unidas nesta semana num clima de completa desconfiança e irritação diante de suas políticas. Ele será o primeiro a subir no púlpito para fazer o discurso de abertura da Assembleia Geral, nesta terça-feira (21).
Mas o que ele tem pela frente é uma organização que se transformou no principal palco de denúncias internacionais contra seu governo. Informalmente, ridicularizar o presidente brasileiro passou a ser o “novo normal” nas conversas entre embaixadores.
Os exemplos são diários. Na semana passada, uma alta funcionária de um organismo internacional e encarregada de temas de gênero me parou num corredor da ONU para se queixar da postura do governo brasileiro contra o avanço dos direitos das mulheres.
Dias depois, numa coletiva de imprensa e diante da ida de Jair Bolsonaro para Nova York sem se vacinar, eu questionei de forma irônica a principal porta-voz da ONU em Genebra se a imunidade diplomática de um chefe-de-estado era suficiente para proteger de um vírus. Com apenas um sorriso, sua reação foi clara.
Também na semana passada, numa sabatina que o governo foi submetido na ONU para avaliar a questão de desaparecimentos forçados no país, a intervenção do Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos foi recebida com uma mistura de choque, revolta e deboche.
Parte do discurso do Brasil era sobre a postura do país contra o aborto. O problema: o tema sequer estava na pauta da reunião que se dedicava a falar da violência policial, milícias e as vítimas da ditadura entre 1964 e 1985.
Na quarta-feira, ao divulgar um informe que revelava que o Brasil seria a grande economia que menos cresceria em 2022, um dos autores da previsão foi claro ao explicar que, em parte, o motivo da crise tinha um responsável: “ele”. O autor se referia, obviamente, ao presidente brasileiro e o caos político que ele instaurou.
O brasileiro, isolado e duramente criticado, terá de fazer gestos internacionais que reduzam o mal-estar que o Brasil vive no palco mundial. Durante a recente reunião de cúpula dos Brics, Bolsonaro usou seu discurso para distribuir elogios aos demais líderes do bloco, inclusive para o chinês Xi Jinping. A atitude representou um contorcionismo diplomático inédito na gestão do presidente, que passou meses atacando a China.
Agora, a expectativa é de que ele amenize também seu discurso, diante de sua fragilidade internacional. Assim, a esperança é de que isso se traduza numa pressão menor, justamente num momento em que, em casa, Bolsonaro entra em ritmo de campanha eleitoral, para 2022.
Analistas internacionais não escondem: sob o atual presidente, a reputação do país desabou. Segundo um ranking publicado pela consultoria Future Brand, o Brasil perdeu dez posições na classificação de 2020, em comparação ao ano anterior. Na 57ª colocação, o país é superado pelo Cazaquistão, Panamá ou Egito em termos de “marca internacional”.
“Considere Jair Bolsonaro”, diz o informe. “Ele pode ser popular agora graças ao auxílio emergencial. Mas investimentos estrangeiros deixaram o país e o desemprego bate recorde.”
O que o ranking traz é, no fundo, um reflexo do que também se vê em corredores dos organismos internacionais. Altos representantes da ONU e embaixadores são claros: o estrago feito por Bolsonaro na imagem internacional do Brasil foi enorme em diferentes áreas e apenas mudar o tom do discurso não será suficiente. Hoje, seu nome é acompanhado por comentários jocosos, de indagação de suas faculdades mentais e de indignação diante das ameaças à democracia.
Em apenas dois anos e meio de governo, Bolsonaro foi alvo de 32 cartas e comunicações de relatores independentes da ONU, denunciando violações de direitos humanos cometidos pelo governo. As comunicações, mantidas em sigilo por meses, se referem a temas como violência policial, pandemia, ditadura, imprensa, moradia, educação, racismo e tantos outros.
Isso não inclui as dezenas de cartas e comunicados que a ONU recebeu com denúncias feitas por parte de ONGs, ativistas e indígenas contra o presidente brasileiro, além de pelo menos cinco acusações apresentadas à procuradoria do Tribunal Penal Internacional, em Haia.
Além das queixas oficiais, o mal-estar também ocorre por conta da campanha que o Brasil fez parte para minar a credibilidade das entidades internacionais, ainda sob a gestão de Ernesto Araújo, no Itamaraty.
O governo deixou o Pacto da ONU sobre Migrações e ainda desistiu de sediar uma das principais reuniões sobre meio ambiente. O Brasil ainda mantém uma das maiores dívidas com o organismo internacional.
O mal-estar também vem da postura interpretada como uma tentativa de enganar a comunidade internacional sobre a questão do desmatamento. Discursos de Bolsonaro anunciando supostos feitos e compromissos foram recebidos nos últimos anos como um sinal de que não haveria como confiar no país.
Bolsonaro ainda foi deixado de fora de uma Cúpula do Clima, no ano passado, por não ter nada a anunciar de concreto.
Agora, o novo chanceler Carlos França tenta mudar o tom, recuperando princípios básicos da diplomacia brasileira, entre eles o apoio ao multilateralismo e aos tratados internacionais.
Mas sem credibilidade e até ridicularizado, o presidente enfrenta uma comunidade internacional que, antes de voltar dar algum crédito para o brasileiro, espera ver a reconstrução de instituições, a defesa do estado de direito, a retomada de políticas e estratégias sociais e ambientais que foram desmontadas pelo governo em apenas dois anos e meio.
E, para isso, experientes negociadores alertam que Bolsonaro terá de mudar muito mais que seu discurso. E isso não está nos planos do Planalto.
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