No próximo dia 25 completam-se 60 anos do início da crise provocada pela renúncia do presidente Jânio Quadros. Em 1996, lendo o livro-reportagem do jornalista Carlos Castello Branco, que havia sido assessor de imprensa do tatarana, Fernando Henrique Cardoso comentou:
“O Brasil esteve perto de uma guerra civil sem que houvesse crise econômica, crise social ou até mesmo uma crise política séria. Era tudo futrica.” Isso e mais um presidente pensando em dar um golpe.
Passaram-se 60 anos, uma pandemia matou mais de 560 mil pessoas, há 14,8 milhões de desempregados, e o país está novamente numa encrenca institucional. Blindados desfilam por Brasília, e o presidente ameaça sair dos limites da Constituição. A crise sanitária existe, e a econômica agravou-se. Mesmo assim, espremendo a encrenca institucional, voltou-se ao ponto de partida: tudo futrica e enunciados golpistas.
Na crise sanitária valsam vigaristas em torno da cloroquina e de golpes com imunizantes. Na crise econômica, o ministro Paulo Guedes enfrenta as estatísticas do desemprego brigando com o IBGE. A crise política girou em torno do voto impresso contra as urnas eletrônicas. Atrás desse biombo está um presidente que já anunciou sua disposição de rejeitar o resultado da eleição do ano que vem.
Os blindados que se moveram em Brasília ecoam a cena em que o presidente americano Donald Trump pretendia comemorar a data nacional de 4 de Julho de 2020 (quatro meses antes da eleição) com uma parada militar de aviões sobrevoando grandes cidades e tanques no gramado da Casa Branca.
O plano encolheu quando o chefe do Estado-Maior Conjunto, general Mark Milley, entrou na discussão:
— Vocês não aprendem? Não é assim que fazemos. Isso é o que faz a Coreia do Norte, o que fazia Stálin. Nós não fazemos paradas desse tipo. Isso não é a América.
No caso brasileiro, Bolsonaro conseguiu seu desfile.
Em 1961 Jânio Quadros armava o golpe da renúncia. Era o truque da moda. Em julho de 1959, o chefe revolucionário Fidel Castro havia renunciado ao cargo de primeiro-ministro de Cuba e voltou cinco dias depois, nos braços do povo, livrando-se do presidente Manuel Urrutia.
Jânio sentia-se desconfortável dentro das quatro linhas da Constituição, mas fingia respeitá-las. Não se pode dizer o mesmo de Bolsonaro.
Em 1961 as futricas alimentaram a crise. Hoje as crises são convertidas em futricas e pirraças. Piorou-se. Aqui, como nos Estados Unidos de Trump, o presidente transformou o que deveria ser uma discussão em torno das medidas para enfrentar a pandemia num debate sobre a cloroquina. O ministro da Economia tinha um amigo inglês que poderia remeter para o Brasil 40 milhões de kits de testes para o coronavírus por mês. Felizmente. Coube a Paulo Guedes o papel de exterminador da marquetagem de um “Plano Marshall” para a economia nacional. A bizarrice saiu da Casa Civil do general Braga Netto e durou poucas semanas, até que o ministro ensinou: “Não chamem de Plano Marshall porque revela um despreparo enorme”. A girafa virou “Pró-Brasil” e sumiu do mapa.
Em 1961, muito além das futricas, havia o projeto golpista de Jânio. Nas palavras tardias de um coronel que em 1961 estava disposto a ir para o pau: “Naquela manhã de 25 de agosto, o que faltou foi alguém que trancasse o Jânio no banheiro do palácio”.
Elio Gaspari
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