De acordo com especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, isso se deve ao fato de esses transportes serem antigos e usarem tecnologias ultrapassadas.
"Muitos desses carros de combate têm motor a diesel, que solta muita fumaça", complementa o pesquisador Expedito Carlos Stephani Bastos, coordenador da ECSB/Defesa, entidade que faz publicações sobre veículos militares.
"É óbvio que quanto mais antigo o veículo, mais isso se agrava. Imagina os modelos produzidos nos anos 1980 e 1990, quando não existia essa preocupação ecológica?", diz Nelson Ricardo Fernandes da Silva, major da reserva do Exército e analista do portal Gestão de Risco.
De forma geral, os veículos militares que passaram pela capital se dividem em três grandes grupos: os "tanques", os veículos blindados de transporte de pessoal (conhecidos pela sigla VBTP) e os lançadores de mísseis.
Os veículos que tinham um canhão no topo são os modelos SK-105 Kürassier, que começaram a ser produzidos na Áustria a partir dos anos 1970.
Aqui vale uma pequena ressalva: a palavra "tanque" não é tecnicamente correta.
"Esses veículos são chamados de tanques porque na época da Primeira Guerra Mundial os britânicos desenvolveram esse tipo de viatura e não queriam que os alemães soubessem", contextualiza João Marcelo Dalla Costa, especialista em veículos blindados e ex-professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.
"Daí eles diziam que iam entregar 50 tanques de lavar roupa em tal local, quando na verdade estavam falando de veículos blindados de combate", completa.
Os SK-105 Kürassier são usados no Brasil exclusivamente pelo Corpo de Fuzileiros Navais, uma das forças que integram a Marinha e que vão participar dos treinamentos de um exercício militar, a Operação Formosa, ao longo dos próximos dias.
As Forças Armadas compraram 17 unidades no final dos anos 1990, e elas chegaram ao país a partir de 2001.
"O Brasil foi um dos últimos a adquirir esse modelo e entrou em acordos e negociações que estavam sendo feitos pelos fabricantes com alguns países da África", lembra Bastos, que também foi professor da Universidade Federal de Juiz de Fora.
A Áustria já abandonou esse tipo de tanque há quase 30 anos, mas ele continua em operação na Argentina, na Bolívia, no Brasil, em Botsuana, no Marrocos e na Tunísia.
"Trata-se de um veículo que já está obsoleto, e a Marinha quer substituir essa frota", aponta Bastos.
Sobre sua atuação no campo de batalha, o Kürassier tem a função de "caçar" unidades das forças opositoras.
"É um tanque leve, que pode ser transportado em navios. O objetivo dele é identificar e destruir os tanques inimigos", explica Costa.
"E, pela quantidade de fumaça que vimos, imagino que [o blindado que desfilou hoje] seja muito velho", avalia o especialista.
"Já andei nesses blindados e, na hora em que vi aquela fumaça, imaginei que o comandante deveria estar se borrando, com medo de que o veículo parasse na frente do presidente. Aquela fumaça preta significa que o motor está desgastado, a ponto de estourar e deixar o comandante na mão", completa.
Durante a passagem das tropas pela Praça dos Três Poderes, também foi possível notar a presença de veículos sem um canhão no topo: esses são os VBTP, responsáveis por transportar soldados e oficiais de uma forma relativamente segura de um ponto até outro.
E há vários modelos com tamanhos e formatos diferentes na frota dos Fuzileiros Navais brasileiros.
O M113, por exemplo, é usado desde a época da Guerra do Vietnã, que durou entre 1959 e 1975. Uma de suas características visíveis é a presença da lagarta, aquela esteira que substitui as rodas convencionais e permite a locomoção por terrenos acidentados.
Os especialistas destacam que os blindados usados no Brasil não são os mesmos da década de 1960 e passaram por uma série de melhoramentos e atualizações. Mesmo assim, eles continuam ultrapassados diante das várias opções disponíveis em outras partes do mundo.
Outro blindado que deu as caras em Brasília foi o AAV-7A1, também conhecido como Clanf (ou Carro sobre Lagarta Anfíbio), de origem americana.
Ele também tem as esteiras, mas é bem maior e pode até se locomover na água — daí o "anfíbio" no nome.
"Sua função durante uma batalha é desembarcar primeiro e garantir a defesa de uma certa localização para outras tropas virem em seguida", explica Costa.
O terceiro tipo que apareceu no desfile foi o Piranha 3, de fabricação suíça e disponível no mercado há pelo menos cinco décadas.
Ao contrário dos outros, ele tem pneus e tração nas oito rodas.
"Ele é bastante adequado para fronteiras terrestres e áreas de selva, que estão presentes em muitas das fronteiras de nosso país", destaca Luiz Guilherme de Oliveira, professor da Universidade de Brasília (UnB) e autor de artigos sobre tecnologia militar e blindados.
Alguns desses veículos trazem metralhadoras e lançadores de granadas.
"Esse armamento serve apenas para fazer a autoproteção daquela unidade. Mas hoje em dia esse tipo de defesa pode ser facilmente superado por aeronaves pequenas e drones", conta Bastos.
Por fim, um terceiro componente do arsenal da Marinha brasileira exibido para Bolsonaro foi o Astros II, um sistema de lançadores de foguetes produzido pela empresa brasileira Avibras.
"Essa é a nata da tecnologia militar brasileira, o que temos de mais avançado junto com o veículo blindado Guarani [que não integra os treinamentos de Formosa]", avalia Costa.
"Hoje, nossos foguetes têm entre 30 e 80 km de alcance, mas está em processo de construção um equipamento com 300 km de alcance, que permitirá defender toda a nossa região costeira", informa o especialista.
Além desses veículos mais "poderosos", o desfile contou com caminhões convencionais, que fazem apenas o transporte das tropas, mas não contam com nenhum tipo de blindagem.
Para os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, o fato de muitos veículos serem antigos e terem décadas de uso é algo que está dentro das possibilidades brasileiras.
"É evidente que nossa tecnologia está ultrapassada em relação ao que temos de mais avançado em outras partes do mundo, mas ela é condizente com o potencial bélico dos outros países da América Latina", diz Oliveira.
"Talvez o Chile e a Venezuela se sobressaiam um pouco, já que possuem equipamentos de origem russa", discorda Silva.
"Há muito tempo a Marinha quer substituir esses veículos, mas isso depende de dinheiro e o país atravessa uma situação complicada financeiramente", conta Bastos.
Costa concorda e aponta que o desfile talvez tenha servido para o Corpo de Fuzileiros mostrar que precisa trocar urgentemente seus equipamentos.
"O comandante da Marinha usou essa operação para mostrar ao presidente e à cúpula militar o estado decadente em que se encontram seus veículos", acredita o especialista.
"Os Kürassier, por exemplo, são fundamentais, mas provavelmente devem estar com uma disponibilidade baixíssima. Com certeza eles colocaram os melhores ali para desfilar."
"Se os melhores estão assim, imagina os outros… A maior parte deve estar inutilizada ou num estado que não é apresentável", completa.
O desfile foi considerado sem precedentes na história recente do Brasil: embora a Operação Formosa aconteça todos os anos desde 1988, essa foi a primeira vez que os comboios passaram por dentro de Brasília.
A longa fileira de veículos blindados e caminhões usados no transporte de fuzileiros passou diante de Bolsonaro. Tudo foi transmitido ao vivo na página do presidente no Facebook.
O presidente acompanhou a exibição na porta do Palácio do Planalto ao lado dos três comandantes das Forças Armadas e dos ministros da Defesa, o general Walter Braga Netto, da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), do Gabinete de Segurança Institucional, o general Augusto Heleno, e da Educação, Milton Ribeiro.
Bolsonaro chegou a convidar outras autoridades e chefes de outros poderes, mas nenhum compareceu.
Durante a cerimônia, manifestantes a favor e contra Bolsonaro acompanharam a passagem dos veículos pela Praça dos Três Poderes.
Também foi entregue a Bolsonaro um convite para que ele compareça ao treinamento das Forças Armadas, que será realizado a partir de 16 de julho na cidade de Formosa, em Goiás, a 80 km do Distrito Federal.
O comboio da Marinha saiu do Rio de Janeiro e grande parte dos veículos blindados foi transportada por carreta, segundo Bastos, para facilitar a locomoção por mais de 1,4 mil km.
Os veículos foram então descarregados para que desfilassem diante do presidente, passando também nas proximidades do Congresso Nacional — no mesmo dia em que está prevista a votação da proposta de emenda constitucional (PEC) do voto impresso.
O evento com a participação de Bolsonaro foi visto por muitos como uma nova ameaça de golpe e uma demonstração de força do presidente no dia em que uma pauta especialmente cara a ele seria apreciada no plenário da Câmara.
Mas o comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, disse que tratou-se de uma "coincidência" de datas.
"Quando se fala em tanque na rua, fala-se de outra coisa. Tanque na rua é tanque para... Lembra tanque para conter manifestações... Não é nada disso. Houve uma passagem de um comboio e uma prestação de contas à sociedade, dando visibilidade ao exercício que está sendo conduzido, e tradicionalmente é conduzido", disse Garnier.
A PEC do voto impresso já havia sido rejeitada por uma comissão especial criada especialmente para avaliar esse tema, mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado de Bolsonaro. fugiu à regra e decidiu levá-la ao plenário mesmo assim.
No entanto, com a oposição da maioria dos partidos à mudança, a perspectiva era de que a matéria mais uma vez fosse rejeitada.
A Marinha divulgou nota afirmando que a Operação Formosa não tem relação com a votação da PEC.
Neste ano, pela primeira vez, a operação contará com a participação do Exército e da Força Aérea.
"A Operação Formosa tem o propósito principal de assegurar o preparo do Corpo de Fuzileiros Navais como força estratégica, de pronto emprego e de caráter anfíbio e expedicionário, conforme previsto na Estratégia Nacional de Defesa", explicou a Marinha.
Para saber mais sobre os tanques e os veículos blindados e ter um posicionamento oficial sobre esses equipamentos, a BBC News Brasil entrou em contato com a assessoria de imprensa da Marinha e com o setor de comunicação dos Fuzileiros Navais, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.
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