domingo, 18 de julho de 2021

Embargo brasileiro

Os diversos protestos contra a ditadura cubana que eclodiram pela Ilha trouxeram ao centro do debate o papel do embargo americano na perene crise de escassez que o país caribenho enfrenta. O que talvez surpreenda o leitor é saber que, mesmo com o embargo, Cuba comercia internacionalmente mais que o Brasil.

Segundo dados do Banco Mundial, na média da década de 2010-19, o país caribenho transacionou internacionalmente 36% de seu PIB, enquanto o Brasil apenas 26%. Algumas características explicam parcialmente essas diferenças.

Países de mercado interno grande, como o Brasil, tendem a comerciar menos com o resto do mundo. Mas o Brasil é um país fechado mesmo quando consideramos suas características particulares.

Nosso nível de comércio é mais baixo que o de países com renda similar ou de população similar à nossa.

É fácil entender porque o embargo prejudica Cuba: ao dificultar o acesso do país a produtos mais baratos, mais variados e de melhor qualidade vindos do exterior, a população tem seu bem estar reduzido.


Além disso, perde-se o intercâmbio internacional que permite a firmas e trabalhadores domésticos terem acesso a novas técnicas e tecnologias.

Tais ganhos em consumo e produtividade são chamados, em economia, de ganhos com o comércio. Há evidência de que eles podem ser grandes. Um influente trabalho de Ralph Ossa mostra que, para a maior parte dos países, os ganhos estáticos, via acesso a produtos mais baratos, é maior que 55% do PIB.

Quando incorporados os ganhos dinâmicos, via difusão de ideias e tecnologias, o efeito é ainda maior. Os economistas Paco Buera e Ezra Oberfield estimam que esse mecanismo pode explicar entre 40% a 70% do imenso ganho de renda experimentado por China, Coreia do Sul e Taiwan entre 1960 e 2000.

O que é mais difícil entender é por que, dados esses potenciais ganhos com o comércio, o Brasil continua tão fechado.

Uma explicação é que há sempre perdedores e ganhadores. Mas se empresas que perderiam com a abertura podem colocar emissários nos corredores em Brasília para evitar mudanças, isso não é verdade para os milhões de consumidores que se beneficiariam de produtos mais baratos.

Como enfatizam os economistas políticos, quando os benefícios de uma reforma são difusos na sociedade e as perdas concentradas em alguns atores, reformar se torna muito difícil.

A estrutura da burocracia comercial brasileira tampouco ajuda. Alterações estruturais nos impostos de importação demandam aprovação de todos os países do Mercosul, com os quais o Brasil compartilha tarifas numa união alfandegária.

Mesmo mudanças pontuais precisam da chancela de diversos ministérios em conselhos onde privilegia-se o consenso. Tudo isso trabalha contrariamente a mudanças.

Outra potencial explicação são os efeitos distributivos regionais. Uma série de trabalhos de autoria de Rafael Dix-Carneiro, economista brasileiro da Universidade Duke, demonstrou que a liberalização comercial parcial realizada no Brasil durante os anos 1990 levou a resultados díspares em regiões distintas do país.

As regiões relativamente mais ricas, que concentravam os setores nos quais a liberalização foi mais intensa, passaram por uma perda relativa de emprego formal em relação às regiões menos afetadas.

Isso ocorreu porque os trabalhadores têm dificuldade de se mover entre regiões e setores após perderem seus empregos, de modo que o ajuste ao choque econômico é lento.

Isso não indica que os ganhos sobre o comércio não existem, mas simplesmente que eles não são distribuídos uniformemente entre regiões e setores. Para ser viável, portanto, uma política de abertura comercial precisa considerar essa realidade e facilitar a reinserção de trabalhadores de regiões afetadas no mercado de trabalho por meio de políticas como seguro-desemprego, subsídios à realocação e cursos de requalificação.

Por fim, há também uma resistência ideológica em reconhecer a realidade dos ganhos com o comércio. A despeito da literatura científica sobre o assunto, muitos políticos e gestores ainda veem as importações como uma perda e não como veículos de ganhos com o comércio.

O exemplo cubano pode ajudar. Quase todos percebem que o embargo imposto contra Cuba limita o bem-estar e prejudica o desenvolvimento da Ilha. Falta a alguns perceberem que o auto-imposto embargo brasileiro tem consequências reais sobre o nosso bem-estar e desenvolvimento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário