Um alerta do poder armado às instituições não é qualquer alerta, como disse em entrevista ao jornal O Globo o comandante da Força Aérea Brasileira, tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Junior. Não é pelo simples fato de que o poder armado detém a força e as demais instituições são desarmadas.
O brigadeiro é um bolsonarista de raiz, a ler-se o que publica ou reproduz em suas contas nas redes sociais. Ele diz que os militares estão incomodados com o que chama de tentativa de associação, por parte da CPI da Covid-19, entre a corporação (as Forças Armadas) e as suspeitas de corrupção apuradas pelos senadores.
Critica o tratamento dado a colegas alvo das investigações, como o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, e o coronel Elcio Franco, ex-secretário-geral do ministério. Mas afirma que as Forças Armadas não tolerarão casos comprovados de militares corruptos: “Não protegeremos quem está à margem da lei”.
Segundo ele, os militares se mantêm “dentro das linhas da Constituição”. E cita um trecho da nota assinada pelos comandantes das três armas e pelo ministro da Defesa: “As Forças Armadas não aceitarão ataques levianos”. Quanto a elas poderem embarcar numa aventura golpista, observou:
“Homem armado não ameaça”.
O que quis dizer com a frase “homem armado não ameaça”, sabe-se lá. Isso não lhe foi perguntado. Sabe-se que um homem armado pode ser uma ameaça, sim, desde que disposto a impor sua autoridade por meio do possível uso da arma. Não precisa sequer exibi-la ou sacá-la, muito menos dispará-la. Arma faz diferença.
Não é a CPI quem promove a associação entre as Forças Armadas nem as suspeitas de corrupção que mancham a reputação de militares investigados – são os fatos. Este é um governo eleito com o apoio maciço do poder militar, que governa com o apoio maciço do poder militar e que emprega um número gigantesco de militares.
Como já admitiu o presidente da República, nunca na história do Brasil, nem mesmo durante os 21 anos da ditadura de 64, um governo empregou tantos militares. Os militares ganharam uma reforma da Previdência só para eles. Dinheiro reservado para a compra de vacinas comprou equipamentos militares.
O presidente vive a adulá-los, é visto mais em cerimônias militares do que nas demais promovidas por órgãos do próprio governo. Não esconde o desejo de implantar no país um regime autoritário com o apoio das Forças Armadas. E são cada vez mais tênues os sinais dados por elas de que recusarão tal apoio.
Para lidar com “ataques levianos”, a Justiça oferece vários meios a quem pessoalmente ou como corporação se sinta ofendido. Só o presidente da República, como Comandante Supremo das Forças Armadas, pode falar por elas sobre temas de ampla repercussão política – os comandantes não podem, nem o ministro da Defesa.
E tem mais: cabe à Justiça, e somente a ela se provocada, atestar a natureza leviana dos ataques. Isso, naturalmente, quando a pessoa ou a instituição procede de acordo com o que diz a Constituição. A nota de “advertência” dos chefes militares, por mais que eles digam que só foi dirigida à CPI, ultrapassou os limites da lei.
A CPI é um instrumento da minoria parlamentar assegurado pela Constituição. Por parlamentar, é um instrumento do Congresso, um dos três poderes da República juntamente com o Executivo e o Judiciário. A Constituição não prevê a existência de um quarto poder, muito menos armado. Os militares é que se veem assim.
O tempo é o senhor da razão. Em nome da defesa da democracia, por duas vezes de 1930 para cá, os militares golpearam a Constituição e sustentaram ditaduras. A história do país está pontilhada de tentativas de golpes militares que fracassaram. As eleições do ano que vem estão logo ali na esquina.
Veremos então se seus resultados, sejam quais forem, serão de fato respeitados pelos que se apresentam como os pais legítimos da República, aqui instalada por um golpe militar.
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