Olho à minha volta e vejo uma outra pandemia que toma proporções dramáticas: a da ansiedade e depressão. Silenciosa, cresce quase sem que se dê conta. Não há doença mais democrática: não escolhe classes, idades nem géneros. E toca a todos – mesmo pessoas que tinha como improváveis. Amigas cheias de boa energia, sempre com um sorriso na cara. Familiares doces e tranquilos. Pessoas com vidas que os outros consideram perfeitas, com dinheiro, amor e saúde. O que nos falta – a todos – é a normalidade. A normalidade das rotinas, dos pequenos hábitos, da segurança reconfortante. A Covid não veio só roubar vidas, arrasar com os hospitais nem destruir a economia: veio colocar a nossa saúde mental à maior das provas.
Os especialistas já lhe arranjaram um nome: “Síndrome de Stresse por Covid-19”. Mais do que uma fobia, inclui o medo de ficar infetado, o medo dos impactos socioeconómicos da doença e vários sintomas de stresse pós-traumático. Pode chegar e dominar quem nunca teve quaisquer vestígios de ansiedade ou depressão, ou agravar quem já padeça destas doenças. Tende a aumentar nas zonas ou nos períodos temporais de maior risco, quando a ameaça é maior. E pode, segundo os psicólogos, deixar marcas irreversíveis quando tudo passar.
De todas as doenças que ficaram para trás durante a pandemia, a saúde mental é a mais negligenciada. Em Portugal, os estudos mostram que pelo menos 23% dos cidadãos sofrem de perturbações e um terço tem sinais de sofrimento psicológico. Porém, os problemas do foro psiquiátrico − por razões socioculturais, preconceito e desconhecimento − continuam a ser desvalorizados pelos doentes e pelas suas famílias. E também por sucessivos governantes e pelo Serviço Nacional de Saúde.
É bom que fique claro que temos, neste momento, instalada uma crise de saúde mental de enormes proporções. Que afeta adultos mas também crianças e adolescentes – é impressionante o aumento das tentativas de suicídio nos jovens. Portugal já era o quinto país da OCDE que mais consumia ansiolíticos e antidepressivos, mais do dobro do que países como a Holanda ou Itália. Uma situação que a pandemia veio agravar: nunca consumimos tantos antidepressivos como agora. Em 2020 foram vendidas quase 11 milhões de embalagens.
Esta situação explica-se por diversos fatores: prescrição fácil e automedicação, é certo, mas também uma enorme falta de psicólogos e de psicoterapeutas no SNS. Estima-se que nos centros de saúde existam cerca de 250 psicólogos – uma média de 2,5 psicólogos para cada 100 mil habitantes! Não há uma rede capaz de responder a todas as solicitações. E as consultas nos privados são incomportáveis para a maioria das bolsas portuguesas, da mesma forma que a psicoterapia está excluída da maior parte dos seguros de saúde. Não existindo tratamentos não farmacológicos nos cuidados de saúde primários, não resta outra alternativa senão prescrever medicamentos para acalmar os sintomas.
Se não existisse a pandemia, 2020 seria supostamente um ano de investimento na saúde mental. Os planos e projetos ficaram adiados por força da Covid-19. Mas é bom de ver que, exatamente porque existe uma pandemia, é urgente atender a este problema de dimensões devastadoras. Um país doente com Covid-19 não funciona. Mas um país doente com depressão e ansiedade também não.
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