sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Rascunhado nas estrelas

Pesquisei as previsões de astrólogos, videntes e babalorixás para 2021. Qual não foi minha surpresa nenhuma ao descobrir que ninguém — nem mesmo os Simpsons, useiros e vezeiros no quesito futurologia delirante — prenunciou a intentona trumpista de 6 de janeiro.

Márcia Sensitiva cravou a derrota de Trump, mas ignorou seus esperneios. Vaticinou vacinas em meados de abril, chuvas torrenciais (com queda de barrancos) e movimento de placas tectônicas (com terremotos) ao longo do ano, sem tremor e desmoronamento algum em janeiro. A numeróloga Aparecida Liberato apontou que fevereiro, abril, maio, junho, agosto, setembro e novembro seriam os meses mais desafiadores — janeiro passou batido. 

A astróloga Cristiane Bernardes apontou que Júpiter e Saturno em Aquário indicam que há “um grande potencial para inovações tecnológicas”. Será que isso inclui estratégias diversionistas para neutralizar a vigilância do Capitólio mediante o uso de chifres, tatuagens e calças um palmo abaixo do umbigo? Para Cristiane, “é muito provável que o primeiro semestre de 2021 seja bastante agitado, com conflitos sociais generalizados, em especial entre pessoas interessadas em construir novas formas de conviver coletivamente e aqueles que preferem manter tudo como está, sem nenhuma mudança”. Tão preciso e específico quanto marcar o início da vacinação para a hora H do dia D.

Susan Miller, a Zora Yonara dos americanos, previu que os nativos de gêmeos (Trump é de 14 de junho) florescerão em 2021 quando se tratar de divulgar coisas digitais. O problema vai ser convencer Twitter, Facebook, Instagram, Google, Snapchat, YouTube e TikTok a lhe dar uma segunda chance. Haverá, segundo ela, oportunidades para que suas ações atinjam o público internacional. Nada sobre ter atingido, de forma letal, 5 cidadãos americanos e nem uma palavra sobre um impítimã 2.0 aos 45 do segundo tempo. </p><p>Finalmente, João Bidu nos conta que a lua minguante (que teve início exatamente no dia 6 de janeiro) é um período “benéfico para concluir tudo o que estiver em andamento” (uma conspiração, por exemplo?), para solucionar problemas (a retomada do poder pelos democratas?), fazer faxinas e consertos em casa (o gabinete da Nancy Pelosi precisava mesmo de uma intervenção disruptiva daquelas?). 


2022, por outro lado, oferecerá menos enigmas aos áugures. Pela primeira vez na História, teremos um golpe anunciado com dois anos de antecedência. E com o plus de poder ser um golpe em dois turnos (o G1 em 2 de outubro e o G2 no dia 30 — datas ainda a confirmar com os autogolpistas e o TSE). 

O lançamento da insurreição (ainda em esquema soft opening foi feito no dia seguinte ao fracasso do ensaio americano. “Se nós não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos.” 

O que estaria implícito nessa ameaça? E em que seria pior? Em vez do xamã conspiracionista descamisado, partidários do presidente derrotado adentrariam o Congresso fantasiados de mínions, fazendo sinal de arminha, capitaneados por ícones do Brasil profundo, como o Quico, a Cuca, a Nega Maluca?

Yuval Harari ensinou, em “Sapiens”, que há dois tipos de sistemas caóticos. O de nível 1 não reage a previsões (o que disserem os meteorologistas não afeta o índice pluviométrico). A política é caos nível 2: pesquisas que indiquem folgada margem de votos para um candidato podem levar seus eleitores a trocar a fila na seção eleitoral por um dia na praia, e lá se vai a vitória que parecia garantida. >

Como reagirão os brasileiros à ideia de que só há um resultado “aceitável” em 2022 — e de que a não recondução automática do atual presidente ao cargo configura fraude antecipada? 

Enquanto os arruaceiros/insurretos (depende do ponto de vista) ainda ocupavam o Capitólio, Rodrigo Constantino disse que, quando se passa quatro anos chamando alguém de fascista, é bom se preparar para a hora em que ele começar a agir como tal. 

Assim expira uma democracia. Não com uma revolução, mas com uma bravata e um ou outro tiro.

Temos dois anos pela frente. E não dá pra alegar que ninguém avisou. 

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