A própria definição de Bolsonaro como novidade, tal qual apareceu na última eleição presidencial, foi um engodo. É preciso desmistificar essa ideia, uma vez que ele foi deputado federal por quase 30 anos e não esteve na linha de frente de nenhuma proposta séria de transformação do país. No máximo, dizia que o regime militar errou por não ter fuzilado mais umas 30.000 pessoas.
Quando o país entrou numa enorme crise política e econômica, iniciada em 2013,
a sociedade começou a rejeitar o sistema partidário que fora hegemônico por pouco mais de 20 anos, desde o impeachment de Collor. Foi aí que surgiu o espaço para uma liderança que defendesse a mudança completa do país. O eleitorado majoritário não olhou para o passado de Bolsonaro e acreditou que ele seria uma ruptura positiva. O fato é que essa massa enorme de eleitores, muitos com ódio do petismo e outros sentindo-se descontentes com as alternativas de centro-esquerda e centro-direita, comprou gato por lebre, como se diz popularmente. Na verdade, a melhor expressão para definir essa escolha eleitoral é outra: quem votou em Bolsonaro comprou o velho por novo.
O início do governo Bolsonaro foi marcado por duas tendências. De um lado, procurou se distinguir do passado trazendo nomes que não ocuparam cargos nos últimos governos, aparentemente abraçou o lavajatismo com a vinda de Sergio Moro para o Ministério da Justiça, não criou uma aliança explícita com o Congresso Nacional e os partidos tradicionais, e, como pretensa forma mais inovadora, buscou imprimir um ritmo alucinante de discussão pelas redes sociais, dando a impressão que governaria por meio delas.
Havia outro lado deste modelo, entretanto. Junto com uma agenda fortemente conservadora nos costumes, defendida com muita agressividade pelos bolsonaristas, o presidente da República pouco a pouco foi instalando uma agenda claramente autoritária. Uma das principais ações neste sentido foi enfraquecer os controles democráticos impulsionados pela Constituição de 1988, como os Conselhos de Participação Social, a Polícia Federal e o Ministério Público, escolhendo um procurador-geral que fosse completamente vinculado às ordens presidenciais. Este namoro de Bolsonaro com o autoritarismo teve seu auge em meio à pandemia, com ameaças aos outros Poderes e manifestações antidemocráticas comandadas por seus apoiadores.
A história não se repetiu nem como uma farsa nem como tragédia. Bolsonaro não percebeu que o país - e o mundo - estavam num ano diferente de 1964. A prisão de Fabrício Queiroz ligou o despertador para o presidente e ele, ainda bem, mudou de rumo. Os grupos de extrema-direita perderam força no governo, mas não foram desalojados por completo da aliança governista. De tempos em tempos, Bolsonaro abraça causas malucas e radicais, como no debate sobre a vacina, piscando para os autoritários de plantão.
A ambiguidade entre a democracia e o autoritarismo não acabou por completo, mas Bolsonaro optou por fazer um compromisso com a classe política, o que foi um alento para a governabilidade do país. O presidente finalmente descobriu que os parlamentares tinham tanta legitimidade quanto ele. Podia se abrir um novo capítulo, que garantisse estabilidade democrática e gerasse a aprovação de medidas importantes para a economia e a sociedade.
O problema é que o condomínio político montado junto ao Centrão se orienta apenas por uma perspectiva defensiva de governabilidade. Trocando em miúdos, esse casamento tem como objetivo básico salvar todos os sócios de qualquer pendência judicial - inclusive (ou principalmente) as relacionadas aos filhos do presidente. Vez ou outra surge uma afinidade ideológica ou o interesse em algum tema estrutural nessa aliança do Executivo federal com esse grupo parlamentar, mas, no geral, esse novo casal tem sido incapaz de gerar uma agenda sólida de propostas legislativas.
Se quiser dar maior efetividade a essa aliança, Bolsonaro tem de estudar mais a história recente. Claro que é preciso montar uma coalizão parlamentar para governar um sistema político marcado pelo multipartidarismo. Mas o presidencialismo de coalizão vai além disso. Para obter sucesso neste modelo, faltou ao bolsonarismo aprender três lições derivadas de outros governos: é necessário ter agenda clara, coordenação política e construir políticas públicas consistentes, capazes de gerar mais do que uma popularidade momentânea.
Uma aliança parlamentar só resulta em governabilidade efetiva caso tenha uma agenda que a oriente. Os bolsonaristas podem dizer que mandaram vários projetos ao Congresso Nacional, alguns de reconhecida relevância. Mas está claro que não há prioridades bem definidas nesta inflação de PECs e leis enviadas ao Legislativo. Na verdade, o próprio presidente da República não saberia dizer o que é mais importante, a reforma tributária ou a administrativa, alterar o pacto federativo ou a legislação penal. Bolsonaro, no fundo, não quer comprar briga com ninguém, não deseja apoiar nada que o indisponha com parcelas do eleitorado. Prefere comemorar a aprovação do Código Nacional de Trânsito e falar de medidas vinculadas à pauta dos valores, embora tais temáticas não tirem os cidadãos brasileiros do atual buraco econômico e social.
Falta ao Executivo federal, ademais, maior coordenação interna e externa. A briga entre os vários lados do governo é constante, com um grau de publicidade inédito. O presidente não tem sido capaz de acabar com essa balbúrdia. Quando arbitra, é para tomar decisões movidas pelo fígado e pelo desejo de eliminar os concorrentes eleitorais. As relações com o Congresso também são caóticas. A pauta das duas Casas mexe-se lentamente e muitas vezes contra os interesses do governo. Bolsonaro provavelmente não aprovará nenhum sucessor do auxílio emergencial e, o pior de tudo, as eleições de fevereiro para Câmara e o Senado continuam em aberto, gerando enorme incerteza para os dois anos finais do mandato.
O presidencialismo de coalizão, por fim, precisa se ancorar num caminho claro de políticas públicas. A popularidade inesperada cegou Bolsonaro, que botou o carro na frente dos bois: ele já está em campanha para a reeleição sem construir o que vai mostrar. E é exatamente no campo das políticas públicas que o presidente da República menos aprendeu com a história recente.
Primeiro, Bolsonaro não entendeu que cortes muito abruptos não dão certo. Fez mudanças em políticas públicas sem saber o que estava dando certo e o que estava no rumo errado, e jogou o governo no escuro. Como consequência, a maioria dos setores não entregará bons resultados até 2022 - a principal exceção, a área de infraestrutura, é a de maior continuidade em relação ao passado recente.
Também faltou colocar gente competente nos postos-chave, profissionais que entendam dos assuntos pelos quais são responsáveis. Este é um dos governos com mais gente amadora na história brasileira. Soma-se a isso o fato de que é necessário dialogar com os atores vinculados às políticas públicas, porque a interdição da conversa ou, pior, uma agenda completamente contrária a quem historicamente está ligado a uma área não produz uma mudança bem-sucedida. Se alguém tiver dúvida disso, acompanhe o que está acontecendo na Cultura, na Educação e na Saúde. É uma coleção de desastres.
A lógica do conflito, quando não da briga de rua, alimenta boa parte da dinâmica das políticas públicas bolsonaristas. A desarticulação federativa tem atrapalhado muito as políticas sociais. Menos Brasília não é, necessariamente, melhor Brasil, muito menos governo federal bem avaliado - vide as eleições nas capitais, majoritariamente antibolosonaristas. Bolsonaro não percebeu que é preciso fazer compromissos institucionais e políticos inclusive com adversários para apresentar resultados. Em vez disso, a maneira bélica de agir tem se espalhado até na Esplanada, gerando falsas dicotomias em seu governo, como a volta da luta entre ministros gastadores e fiscalistas. Nesta disputa, quem perde é o país e o presidente da República.
Ao repetir erros do passado e não aprender com os acertos, o governo Bolsonaro fica velho antes do tempo. Esse fracasso bolsonarista não quer dizer que o país não precise de lideranças e ideias novas. Renovação é fundamental para combater os problemas estruturais e colocar o Brasil novamente nos trilhos. Mas os que portarem a mudança em 2022 só terão sucesso se conhecerem bem a história e souberem utilizá-la a seu favor.
O início do governo Bolsonaro foi marcado por duas tendências. De um lado, procurou se distinguir do passado trazendo nomes que não ocuparam cargos nos últimos governos, aparentemente abraçou o lavajatismo com a vinda de Sergio Moro para o Ministério da Justiça, não criou uma aliança explícita com o Congresso Nacional e os partidos tradicionais, e, como pretensa forma mais inovadora, buscou imprimir um ritmo alucinante de discussão pelas redes sociais, dando a impressão que governaria por meio delas.
Havia outro lado deste modelo, entretanto. Junto com uma agenda fortemente conservadora nos costumes, defendida com muita agressividade pelos bolsonaristas, o presidente da República pouco a pouco foi instalando uma agenda claramente autoritária. Uma das principais ações neste sentido foi enfraquecer os controles democráticos impulsionados pela Constituição de 1988, como os Conselhos de Participação Social, a Polícia Federal e o Ministério Público, escolhendo um procurador-geral que fosse completamente vinculado às ordens presidenciais. Este namoro de Bolsonaro com o autoritarismo teve seu auge em meio à pandemia, com ameaças aos outros Poderes e manifestações antidemocráticas comandadas por seus apoiadores.
A história não se repetiu nem como uma farsa nem como tragédia. Bolsonaro não percebeu que o país - e o mundo - estavam num ano diferente de 1964. A prisão de Fabrício Queiroz ligou o despertador para o presidente e ele, ainda bem, mudou de rumo. Os grupos de extrema-direita perderam força no governo, mas não foram desalojados por completo da aliança governista. De tempos em tempos, Bolsonaro abraça causas malucas e radicais, como no debate sobre a vacina, piscando para os autoritários de plantão.
A ambiguidade entre a democracia e o autoritarismo não acabou por completo, mas Bolsonaro optou por fazer um compromisso com a classe política, o que foi um alento para a governabilidade do país. O presidente finalmente descobriu que os parlamentares tinham tanta legitimidade quanto ele. Podia se abrir um novo capítulo, que garantisse estabilidade democrática e gerasse a aprovação de medidas importantes para a economia e a sociedade.
O problema é que o condomínio político montado junto ao Centrão se orienta apenas por uma perspectiva defensiva de governabilidade. Trocando em miúdos, esse casamento tem como objetivo básico salvar todos os sócios de qualquer pendência judicial - inclusive (ou principalmente) as relacionadas aos filhos do presidente. Vez ou outra surge uma afinidade ideológica ou o interesse em algum tema estrutural nessa aliança do Executivo federal com esse grupo parlamentar, mas, no geral, esse novo casal tem sido incapaz de gerar uma agenda sólida de propostas legislativas.
Se quiser dar maior efetividade a essa aliança, Bolsonaro tem de estudar mais a história recente. Claro que é preciso montar uma coalizão parlamentar para governar um sistema político marcado pelo multipartidarismo. Mas o presidencialismo de coalizão vai além disso. Para obter sucesso neste modelo, faltou ao bolsonarismo aprender três lições derivadas de outros governos: é necessário ter agenda clara, coordenação política e construir políticas públicas consistentes, capazes de gerar mais do que uma popularidade momentânea.
Uma aliança parlamentar só resulta em governabilidade efetiva caso tenha uma agenda que a oriente. Os bolsonaristas podem dizer que mandaram vários projetos ao Congresso Nacional, alguns de reconhecida relevância. Mas está claro que não há prioridades bem definidas nesta inflação de PECs e leis enviadas ao Legislativo. Na verdade, o próprio presidente da República não saberia dizer o que é mais importante, a reforma tributária ou a administrativa, alterar o pacto federativo ou a legislação penal. Bolsonaro, no fundo, não quer comprar briga com ninguém, não deseja apoiar nada que o indisponha com parcelas do eleitorado. Prefere comemorar a aprovação do Código Nacional de Trânsito e falar de medidas vinculadas à pauta dos valores, embora tais temáticas não tirem os cidadãos brasileiros do atual buraco econômico e social.
Falta ao Executivo federal, ademais, maior coordenação interna e externa. A briga entre os vários lados do governo é constante, com um grau de publicidade inédito. O presidente não tem sido capaz de acabar com essa balbúrdia. Quando arbitra, é para tomar decisões movidas pelo fígado e pelo desejo de eliminar os concorrentes eleitorais. As relações com o Congresso também são caóticas. A pauta das duas Casas mexe-se lentamente e muitas vezes contra os interesses do governo. Bolsonaro provavelmente não aprovará nenhum sucessor do auxílio emergencial e, o pior de tudo, as eleições de fevereiro para Câmara e o Senado continuam em aberto, gerando enorme incerteza para os dois anos finais do mandato.
O presidencialismo de coalizão, por fim, precisa se ancorar num caminho claro de políticas públicas. A popularidade inesperada cegou Bolsonaro, que botou o carro na frente dos bois: ele já está em campanha para a reeleição sem construir o que vai mostrar. E é exatamente no campo das políticas públicas que o presidente da República menos aprendeu com a história recente.
Primeiro, Bolsonaro não entendeu que cortes muito abruptos não dão certo. Fez mudanças em políticas públicas sem saber o que estava dando certo e o que estava no rumo errado, e jogou o governo no escuro. Como consequência, a maioria dos setores não entregará bons resultados até 2022 - a principal exceção, a área de infraestrutura, é a de maior continuidade em relação ao passado recente.
Também faltou colocar gente competente nos postos-chave, profissionais que entendam dos assuntos pelos quais são responsáveis. Este é um dos governos com mais gente amadora na história brasileira. Soma-se a isso o fato de que é necessário dialogar com os atores vinculados às políticas públicas, porque a interdição da conversa ou, pior, uma agenda completamente contrária a quem historicamente está ligado a uma área não produz uma mudança bem-sucedida. Se alguém tiver dúvida disso, acompanhe o que está acontecendo na Cultura, na Educação e na Saúde. É uma coleção de desastres.
A lógica do conflito, quando não da briga de rua, alimenta boa parte da dinâmica das políticas públicas bolsonaristas. A desarticulação federativa tem atrapalhado muito as políticas sociais. Menos Brasília não é, necessariamente, melhor Brasil, muito menos governo federal bem avaliado - vide as eleições nas capitais, majoritariamente antibolosonaristas. Bolsonaro não percebeu que é preciso fazer compromissos institucionais e políticos inclusive com adversários para apresentar resultados. Em vez disso, a maneira bélica de agir tem se espalhado até na Esplanada, gerando falsas dicotomias em seu governo, como a volta da luta entre ministros gastadores e fiscalistas. Nesta disputa, quem perde é o país e o presidente da República.
Ao repetir erros do passado e não aprender com os acertos, o governo Bolsonaro fica velho antes do tempo. Esse fracasso bolsonarista não quer dizer que o país não precise de lideranças e ideias novas. Renovação é fundamental para combater os problemas estruturais e colocar o Brasil novamente nos trilhos. Mas os que portarem a mudança em 2022 só terão sucesso se conhecerem bem a história e souberem utilizá-la a seu favor.
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