Se confirmada, a derrota de Donald Trump fará bem à democracia nos Estados Unidos e no mundo. Atestará que a corrosão das instituições representativas não é a única sina dos países que se entregaram a líderes populistas. Tendo ascendido pelo voto livre, podem ser por ele dispensados antes de consumar os seus projetos autoritários.
Mas o provável resultado das eleições americanas não garante a transferência suave do governo para os democratas. E ainda que ocorra no final das contas, enfraquecerá, mas não erradicará, lideranças que, naquele país ou em qualquer outro, e não apenas nos dias que correm, se afirmam representantes do "povo verdadeiro" —o volk, no jargão nazista— em contraposição a elites cosmopolitas, surdas aos anseios das pessoas comuns. Em seu nome, os populistas agem para solapar as regras que limitam o poder dos governantes e garantem os direitos de todos, inclusive das minorias.
A Itália oferece um exemplo da força e resiliência do fenômeno. Desde que o sistema de partidos do segundo pós-Guerra, ancorado na Democracia Cristã, veio abaixo nos anos 1990, políticos populistas, ora no governo, ora na oposição, tornaram-se participantes destacados da vida política do país. Casos de Silvio Berlusconi, Giuseppe Conte, Matteo Salvini, Beppe Grillo, à frente de diferentes partidos —Força Itália, Liga Norte, Liga, Movimento 5 Estrelas— com significativa projeção eleitoral.
"O populismo é uma sombra permanente da moderna democracia representativa" diz o historiador alemão Jan Werner Müller, da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Alimenta-se do que o filósofo italiano Norberto Bobbio chamou de promessas não cumpridas da democracia. Populistas exploram expectativas frustradas e variados temores, reais ou imaginários: do desemprego, da destituição, dos imigrantes, dos negros, dos pobres, dos esquerdistas ateus. E se beneficiam da exposição às feias engrenagens da política por parte de um público mais informado.
O fato é que, já há algumas décadas, a desconfiança dos cidadãos em face de partidos, parlamentos e governos só faz crescer em todo o mundo democrático. No Brasil, a propósito, é assustadoramente elevada. Cidadãos insatisfeitos e desconfiados são mais sensíveis a políticos, tanto faz se de direita ou de esquerda, para os quais a vitória eleitoral é só o que conta, não passando de um estorvo os mecanismos de controle do poder típicos do sistema representativo.
Ganhando ou perdendo eleições, o populismo está aí para ficar. Mas fará toda a diferença para a democracia sempre que for batido nas urnas.
Maria Hermínia Tavares
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