Quem imaginaria questionar a teoria darwiniana da evolução ou falar de terraplanismo fora das anedotas? Ser reapresentado a uma “ameaça comunista”, frequente no repertório bolsonarista, ou à “colaboração secreta de organismos de inteligência norte-americanos” para impedir que o ex Lula acabasse com a miséria no Brasil?
O século 21, para o qual alimentamos sonhos, utopias e fantásticas expectativas, não comportaria gente que depois de 56 anos coloca em dúvida se o golpe de 1964 foi golpe e se a ditadura que torturou e matou existiu. Tampouco abraçaria a rasura do discurso de Lula sobre a culpa das oligarquias, as mesmas que o mantiveram no poder, reclassificadas agora como inimigas figadais.
É pouco crível que um temário tão ultrapassado, batido e suado, possa encantar corações e mentes. E assombrosamente incrível a ausência de lideranças capazes de derrubar esse filme de terror barato.
Na semana que passou, tanto o presidente Jair Bolsonaro quanto Lula, seu opositor predileto e agora candidato declarado em 2022, abusaram na reanimação de fantasmas, exacerbando a habilidade já conhecida de ambos para destruir. No 7 de setembro os dois derramaram antigas sandices no palanque eleitoral, elevando o tom de campanha, a única coisa que sabem fazer.
>Mas o passadismo em voga não se limita a Bolsonaro e Lula. Ao centro, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso causou frisson com o mea-culpa sobre a reeleição que o beneficiou. A “novidade” seria substituí-la por um mandato de cinco anos, mesmo tempo dado ao ex-presidente José Sarney entre 1985-1989. Prova simbólica de que os centristas continuam perplexos, estáticos, sem saber o que fazer.
Também não caberiam na agenda do século 21 o alívio e a alegria colhidos com as declarações explícitas de Bolsonaro em prol da democracia, que, até por dever constitucional, seria obrigação. Mas neste país torto, com um presidente que cotidianamente flerta com os demônios da ditadura que ele chama de heróis, comemora-se sua rendição à democracia, ainda que só no discurso.
Aplaudiu-se também a defesa enfática anticorrupção feita pelo ministro Luiz Fux ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal. Ora, há algo muito estranho quando um magistrado recebe elogios por incluir o combate à corrupção e a manutenção da Lava-Jato em seu discurso de posse na direção da Corte. Mais ainda quando muitos acham que a presença de Fux na condução do STF poderá complicar a vida de Bolsonaro e de sua prole, e a de Lula.
Bolsonaro se diverte reacendendo crises tidas como superadas desde o século passado. E o faz deliberadamente, retirando holofotes dos temas que o perturbam. Basta a pressão aumentar – as investigações sobre seus filhos Flávio e Carlos, ambos enrolados com apropriação indébita de salários de funcionários públicos e milícias fluminenses são um bom exemplo – para Bolsonaro inventar uma polêmica nova sobre velhos temas.
Assim foi com a vacina, quando disse que não obrigaria ninguém a tomar o antídoto contra a Covid-19 – “você não pode amarrar o cara e dar vacina nele” –, e com o trabalho infantil. Questões extemporâneas e cruéis.
A proibição do trabalho para menores de 14 anos, definida pela Organização Internacional do Trabalho em 1919, recebeu aval do Brasil em 1947. Foi suspensa pelos militares e restabelecida na Constituição de 1988. Associada à oferta de educação, impedir o trabalho infantil é o mínimo que uma nação civilizada pode fazer por suas crianças. E pelos pais delas, que no Brasil engrossam a fila dos 12,8 milhões de desempregados.
No caso da vacina, Bolsonaro extrapolou na dose de irresponsabilidade em um país que já foi modelo e vê sua cobertura vacinal ser reduzida ano a ano. Em 2019, pela primeira vez na série histórica de 25 anos, o país não atingiu a meta para os 15 imunizantes infanto-juvenis. Neste ano, quase 50% das crianças e jovens estão a descoberto, expostos a doenças como sarampo e poliomielite, que ressurgiram e voltaram a crescer depois de ser tidas como erradicadas.
Fora alguns memes nas redes sociais e declarações formais de repúdio de uma ou outra autoridade, ninguém reage com seriedade à vida dada aos esqueletos do passado, verdadeiros zumbis que pairam sob a política brasileira.
Ainda que por vezes torça o nariz, a esquerda continua refém de Lula, aprisionada a dogmas centenários e obsoletos. Por seu turno, Bolsonaro desenterrou a direita radical, sedenta para derrotar os marcos de civilidade. A reação cabe à maioria, que não está nem de um lado nem de outro. Do contrário, o passado continuará fazendo sucesso diante de um presente duríssimo e um futuro sombrio.
>Mas o passadismo em voga não se limita a Bolsonaro e Lula. Ao centro, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso causou frisson com o mea-culpa sobre a reeleição que o beneficiou. A “novidade” seria substituí-la por um mandato de cinco anos, mesmo tempo dado ao ex-presidente José Sarney entre 1985-1989. Prova simbólica de que os centristas continuam perplexos, estáticos, sem saber o que fazer.
Também não caberiam na agenda do século 21 o alívio e a alegria colhidos com as declarações explícitas de Bolsonaro em prol da democracia, que, até por dever constitucional, seria obrigação. Mas neste país torto, com um presidente que cotidianamente flerta com os demônios da ditadura que ele chama de heróis, comemora-se sua rendição à democracia, ainda que só no discurso.
Aplaudiu-se também a defesa enfática anticorrupção feita pelo ministro Luiz Fux ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal. Ora, há algo muito estranho quando um magistrado recebe elogios por incluir o combate à corrupção e a manutenção da Lava-Jato em seu discurso de posse na direção da Corte. Mais ainda quando muitos acham que a presença de Fux na condução do STF poderá complicar a vida de Bolsonaro e de sua prole, e a de Lula.
Bolsonaro se diverte reacendendo crises tidas como superadas desde o século passado. E o faz deliberadamente, retirando holofotes dos temas que o perturbam. Basta a pressão aumentar – as investigações sobre seus filhos Flávio e Carlos, ambos enrolados com apropriação indébita de salários de funcionários públicos e milícias fluminenses são um bom exemplo – para Bolsonaro inventar uma polêmica nova sobre velhos temas.
Assim foi com a vacina, quando disse que não obrigaria ninguém a tomar o antídoto contra a Covid-19 – “você não pode amarrar o cara e dar vacina nele” –, e com o trabalho infantil. Questões extemporâneas e cruéis.
A proibição do trabalho para menores de 14 anos, definida pela Organização Internacional do Trabalho em 1919, recebeu aval do Brasil em 1947. Foi suspensa pelos militares e restabelecida na Constituição de 1988. Associada à oferta de educação, impedir o trabalho infantil é o mínimo que uma nação civilizada pode fazer por suas crianças. E pelos pais delas, que no Brasil engrossam a fila dos 12,8 milhões de desempregados.
No caso da vacina, Bolsonaro extrapolou na dose de irresponsabilidade em um país que já foi modelo e vê sua cobertura vacinal ser reduzida ano a ano. Em 2019, pela primeira vez na série histórica de 25 anos, o país não atingiu a meta para os 15 imunizantes infanto-juvenis. Neste ano, quase 50% das crianças e jovens estão a descoberto, expostos a doenças como sarampo e poliomielite, que ressurgiram e voltaram a crescer depois de ser tidas como erradicadas.
Fora alguns memes nas redes sociais e declarações formais de repúdio de uma ou outra autoridade, ninguém reage com seriedade à vida dada aos esqueletos do passado, verdadeiros zumbis que pairam sob a política brasileira.
Ainda que por vezes torça o nariz, a esquerda continua refém de Lula, aprisionada a dogmas centenários e obsoletos. Por seu turno, Bolsonaro desenterrou a direita radical, sedenta para derrotar os marcos de civilidade. A reação cabe à maioria, que não está nem de um lado nem de outro. Do contrário, o passado continuará fazendo sucesso diante de um presente duríssimo e um futuro sombrio.
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