terça-feira, 8 de setembro de 2020

A montanha pariu um rato

Ao longo desta caminhada maluca que parece não ter fim, chegamos a setembro. A música do compositor Beto Guedes nunca fez tanto sentido: “Quando entrar setembro e a boa nova andar nos campos…”. Nas notas e letra, a esperança vem a reboque: “… Não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer Sol de Primavera…”.

Neste ano de pandemia, setembro nunca foi tão desejado. Os infectologistas haviam anunciado previsões de que este mês seria uma espécie de marco na queda de número de casos da covid-19. E isso fez com que o período fosse muito desejado. O bom é que a tendência se confirmou.

A diminuição na média de casos de pessoas infectadas, diziam os especialistas, viria acompanhada de um certo “novo normal”. Ainda que não soubéssemos com exatidão o que isso queria dizer, ouvíamos (no auge da pandemia), essas duas palavras, como se elas significassem um renascimento.

E a frase, com diversas conotações, foi dita à exaustão por políticos, empresários e até mesmo pelo pessoal descolado, que gosta de conceitos de autoajuda.

Alcançamos o “mês da esperança”. Olho a realidade com atenção, fico meio encabulado, não quero ser o chato da vez, mas simplesmente não identifico um comportamento comum que dê para classificar qualquer coisa como padrão de futuro. Para mim, a expressão morre com esta crônica: a montanha pariu um rato.


Juro que, quando começou essa viagem de novo normal, eu pensei que se tratava da construção de uma realidade diferente. Hoje, nos diversos setores que foram liberados para a convivência social, fica valendo aquela frase da época de Napoleão: “Tudo como dantes no quartel de Abrantes”.

Reconheço que o virtual se aproximou do cotidiano. E isso é tudo. Aumentaram o home office, as ligações telefônicas por meio de vídeo, live disso, live daquilo, aula por videoconferência, todas essas inovações que já líamos nos quadrinhos de ficção científica dos Jetsons. Há alguns anos, convém deixar esclarecido, essas novidades tecnológicas já estavam aí para quem quisesse usar.

A não ser que se pretenda dizer que o aumento (repetindo: o aumento) do uso das plataformas digitais é o novo normal, ainda assim, vamos combinar, é uma narrativa forçada. Coisa de marketing. Tipo criar uma nova situação de mercado. É história para boi dormir. Lenga-lenga.

Em termos de comportamento sanitário, também não vejo grandes alterações na sociedade. Por exemplo, as aglomerações proliferam, em desrespeito às normas de distanciamento recomendadas pelas autoridades de saúde. Aglomeração, sim, como antes da pandemia. Velho normal.

É certo que muita gente adquiriu o hábito de usar máscaras, outras comungam com a necessidade do álcool gel, ou ambas as coisas. Mas, também, o que se vê, é que grande parte das pessoas tem preocupação zero em relação aos cuidados com a contaminação. Desrespeito total às autoridades sanitárias. Desrespeito, sim, como antes da pandemia. Velho normal.

Enquanto isso, a sobrevivência, a continuidade da vida, e a segurança da humanidade continuam ameaçadas. O vírus ainda está aí rondando o nosso cotidiano. Não dá para chamar de normal se não existe um comportamento comum para ser apresentado como unidade. E se não há novidade, elementar, meu caro Watson, não existe nada de novo.

Novo normal, para mim, é uma questão de reciprocidade. Enquanto nós não nos perguntarmos a nós mesmo o que há no outro que eu identifico em mim, enquanto não for possível essa resposta, essa relação de irmandade, esqueça o papo.

Fica difícil de estabelecermos um novo momento e uma nova época sem a cumplicidade fraterna. E nós estamos precisando mesmo de um novo normal, pautado pela solidariedade, pelo amor ao próximo. Somente nesse caso, faria sentido falarmos de setembro como mês de renascimento, de empatia, de reinícios.

Inclusive a música de Beto Guedes propõe isso: “Já choramos muito. Muitos se perderam no caminho. Mesmo assim não custa inventar uma nova canção”.

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