O sentimento na berlinda hoje no Brasil é o oposto. O ódio. Temos o gabinete do ódio ligado ao presidente Bolsonaro. Temos redes de ódio com milhões de seguidores, que destroem reputações, promovem linchamentos virtuais e chegam a levar adolescentes ao suicídio. Odiamos ideias e pessoas com a mesma paixão com que amamos. A Justiça pode coibir ou inibir uma manifestação de ódio? O que o Estado pode fazer para regular o livre-odiar sem que isso se transforme em censura?
Conversei sobre os limites da liberdade com o constitucionalista Gustavo Binenbojm. Ex-aluno do ministro Barroso, do STF, Binenbojm foi advogado, no Supremo, de uma ação vitoriosa contra a proibição de biografias independentes e pela livre expressão. O voto mais expressivo foi o da ministra Cármen Lúcia: “Cala a boca já morreu!”. Agora, Binenbojm publica, pela Intrínseca, inaugurando o selo de não-ficção História Real, do editor Roberto Feith, o livro "Liberdade igual".
O livro parte de um aparente paradoxo nesse Brasil tão polarizado: “Somos igualmente livres para sermos diferentes”. Isso significa que preciso aturar os sites bolsonaristas e aquele repugnante assessor do B., Tércio Arnaud Tomaz, o “rapaz das redes” do presidente, banido do Facebook e no Instagram por seu conteúdo tóxico? Afinal, querer ser livre é também querer livres os outros.
Sentimentos de aversão e de ódio são humanos, e não podem ser inibidos pelo Estado. Mas, externar isso de forma discriminatória ou violenta afeta a liberdade de terceiros. É aí que o Estado entra para regular. “A analogia que costumo fazer”, diz Binenbojm, “é com a liberdade de ir e vir. Todo mundo tem liberdade de locomoção, de ir, vir e permanecer, mas ninguém é livre para avançar um sinal vermelho e sair por aí a 160 km por hora, embriagado, arriscando a vida de outras pessoas. Isso também se reflete na liberdade de expressão”.
O que fazer com as fake news, que envenenam as democracias? O projeto começou muito ruim no Senado. Como uma espécie de censura digital, de controle do debate público. Mas o texto encaminhado à Câmara é bem mais amadurecido. Tenta evitar, com meios tecnológicos, campanhas de desinformação e linchamentos em massa. Restringe contas inautênticas, robôs, perfis falsos, que visam a ganhar dinheiro, manipular a opinião pública e até vencer eleições. “A internet não pode ser um território de ninguém, uma selva hobbesiana de luta de todos contra todos. (O filósofo Thomas) Hobbes dizia que, quando o estado de natureza impera, a vida passa a ser uma experiência brutal e breve”.
Faroeste. Esse é o adjetivo que o autor de "Liberdade Igual" usa para se referir às redes. E o faroeste chega a nossa esquina. No gatilho, o dossiê para identificar servidores antifascistas. “Investigar ideias de cidadãos criando dossiês é uma prática de estados totalitários para discriminar, prejudicar ou perseguir servidores públicos com ideias diferentes do governo. Vindo do Estado, isso torna o Brasil um Estado policial totalitário”.
Vale para fascistas e comunistas? Nosso genial Millôr Fernandes dizia assim, cita Binenbojm: “Democracia é aquele regime em que eu mando em você. Ditadura é aquele regime em que você manda em mim”.
“Defendo totalmente o Aroeira por sua charge satírica, copiando o símbolo nazista para criticar o comportamento de Bolsonaro diante da pandemia. Um exercício de crítica política. Mas também acho legítimo que o governo critique a esquerda por posturas autoritárias ou totalitárias de governos comunistas. Isso é um dos princípios cardeais de meu livro”. Discuta, ame, odeie, mas lembre sempre que os limites do bom senso e da lei garantem nossa democracia e um convívio civilizado, racional e inteligente.
Num livre debate, deveria ser possível defender ideias da extrema direita à extrema esquerda, mesmo que pareçam abjetas, ignóbeis, lamentáveis. Mas há limites, como os conteúdos proscritos pela Constituição, não cobertos pela liberdade de expressão. Racismo, homofobia, nazismo, discriminação a qualquer religião, uso de pornografia não autorizada, apologia à pedofilia e ao terrorismo são alguns desses crimes.
Deveria também ser crime um presidente elogiar torturadores e incitar o povo a se armar e investir contra as instituições democráticas. Ou incitar o povo a contrair coronavírus, aglomerando sem proteção e sem o uso de máscaras. Ou incitar doentes a tomar remédios como a cloroquina, não recomendada pela OMS, nem pela Fiocruz, nem pelos dois ex-ministros da Saúde. Você não acha?
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