Foi uma catástrofe anunciada, após a qual o Brasil voltaria a ser um pária ambiental, como décadas antes. Em junho de 2019, as primeiras análises de dados de satélite mostraram que a Floresta Amazônica estava queimando mais rápido do que se temia. O presidente Jair Bolsonaro insultou os críticos e, em agosto, demitiu o diretor do conceituado Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que comprovara as taxas de desmatamento.
Nos seis meses anteriores de seu mandato, Bolsonaro sistematicamente debilitara, dissolvera ou destruíra muitos dos mecanismos institucionais ou legais de controle e proteção da mata tropical.
O presidente começou sua guerra contra os críticos estrangeiros da política brasileira para a Amazônia após a assinatura do acordo de livre-comércio Mercosul-União Europeia, na cúpula do G20 em Osaka, no final de junho de 2019. Com muito esforço, ele acabou engolindo as críticas de Emmanuel Macron e Angela Merkel à falta de engajamento ambiental do país.
De volta a Brasília, contudo, ele "mandou ver", do modo habitual, alegando que as potências estrangeiras queriam se apoderar da Amazônia; que interesses obscuros estavam por trás da política ambiental dos europeus e suas ONGs.
Em agosto, quando a Alemanha suspendeu verbas para a Amazônia no âmbito da iniciativa de proteção climática, Bolsonaro recomendou à "senhora Merkel" utilizar o dinheiro para o reflorestamento da Alemanha. Dias depois, foi a vez da Noruega cortar seu crédito para o Fundo Amazônia, que já havia canalizado, juntamente com a Alemanha, mais de 3 bilhões de reais para a proteção da floresta e dos indígenas. Bolsonaro zombou, comentando que a Noruega mata baleias - e publicando um vídeo enganoso que mostrava um cetáceo sendo morto por habitantes de outro país.
A opinião pública mundial reagiu com atraso aos crescentes pedidos de socorro dos ambientalistas da América do Sul. Pois o Brasil, que ainda em 2004 incinerara quase 28 mil quilômetros quadrados de mata, tornara-se uma nação que, no início da década de 2010, só desmatava de 6 mil a 7 mil quilômetros quadrados por ano.
A cifra é surpreendentemente modesta, diante das dimensões do país, suas instituições fracas e a pobreza da população na região da mata amazônica. Assim, o Brasil se transformou num protagonista importante no acordo do clima, capaz de se comprometer convincentemente a proteger suas florestas e reter o dióxido de carbono na Amazônia.
A ilusão se desfez definitivamente com os xingamentos gritados de Bolsonaro e o rápido alastramento dos incêndios. As reações vieram sobretudo dos políticos da Europa: na cúpula do G7 em Biarritz, em agosto de 2019, a floresta em chamas ofereceu um flanco aberto para o presidente Macron.
Assim ele pôde fortalecer seu papel de autonomeado guardião do Acordo do Clima de Paris e absorver a pressão dos agricultores franceses contra o livre-comércio UE-Mercosul. No fim do ano, o balanço amazônico era catastrófico para o Brasil, com cerca de 10 mil quilômetros quadrados aniquilados. Bolsonaro reagiu com novos insultos. Aproveitou até mesmo para endossar ataques contra a aparência da primeira-dama francesa, Brigitte Macron.
Desde então, pouco mudou: apesar de o governo Bolsonaro ter mandado as Forças Armadas para a Amazônia e fundado um Conselho Amazônico, os incêndios deverão crescer 28% no ano corrente, preveem funcionários do Ministério do Meio Ambiente.
Mas no prazo de poucas semanas o clima vem mudando. Agora, poderosos investidores e fundos estrangeiros exigem uma redução sensível dos incêndios, senão retirarão seu capital. Aí, 60 firmas domésticas e estrangeiras em território brasileiro seguiram-lhes o exemplo: seus diretores-executivos reforçam as exigências, temendo que seus acionistas ou clientes as abandonem.
O governo continua contando que poderá acalmar os críticos com meros anúncios ou minimizações, e pretende iniciar uma campanha de imagem no exterior. Mas ela pouco adiantará: Bolsonaro já enganou demais em questões de meio ambiente.
Os investidores e empresas agora querem fatos, dizendo: "Os incêndios têm que parar, senão retiramos nosso capital." Isso já está acontecendo; em julho, investidores estrangeiros se distanciaram em massa da bolsa de valores e reduziram seus investimentos em empresas isoladas, como a de carne ou de mineração.
Cabe esperar se a pressão econômica bastará para Brasília começar a proteger seriamente a Amazônia. Pois, assim como para Bolsonaro, para muitos brasileiros a mata tropical pouco importa. Mas, exatamente como seu presidente, eles reagem alergicamente a lições de moral do exterior.
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