Essa pessoa estaria “acting out”. A expressão “act out” aparece assim explicada em dicionários especializados, em tradução livre do inglês: comportar-se mal porque você está infeliz ou desconfortável, frequentemente por motivos dos quais você não está consciente.
Em termos psicanalíticos, uma definição de “acting out” é a seguinte: uma mensagem cifrada que os sujeitos endereçam para o Outro, embora o sujeito em si mesmo não é nem consciente do conteúdo desta mensagem, nem mesmo ciente de que suas ações expressam uma mensagem.
Claro, o leitor já imaginou onde queremos chegar: o presidente Bolsonaro tem tudo planejado, age de caso pensado, ou está “acting out”?
É possível encontrar objetivos nas coisas que faz. O principal é manter o poder. O problema é que o poder que encontrou na chefia do governo e do Estado é menor e mais limitado do que ele imaginava. E certamente ele não se conforma com isso.
Reparem a quantidade de vezes que diz: “eu mando”, “eu sou o presidente”. Outro dia, referiu-se a ele como sendo “o chefe supremo”. Lembram-se? Foi quando o presidente se queixou que a Polícia Federal parecia mais preocupada com o assassinato de Marielle do que com a investigação da facada.
Ora, não há chefe supremo numa democracia representativa.
Bolsonaro também não se conforma com o fato de que não é o único ator em cena. Por isso detona ministros que se destacam, abre guerra contra governadores e prefeitos que ocupam espaços e ataca a imprensa que não o segue. Pode parecer estranho, mas o presidente dá sinais de que não se conforma também com o peso e a extensão do noticiário sobre o coronavírus.
Fala-se mais da epidemia do que dele – e fala-se, na imprensa séria, de maneira que não agrada ao presidente. Ele desclassifica a doença, não se importa com os mortos e não se conforma que outros líderes políticos ganhem espaço falando e fazendo o contrário do que ele, Bolsonaro, quer.
E aqui já não estamos no campo do racional ou do consciente. Quando, no dia em que o número de mortos passava de 10 mil, o presidente disse que ia fazer um churrasquinho para 30 pessoas – claramente estava “acting out”.
Não é razoável supor que ele tenha pensado algo assim: bom, o que eu posso dizer ou fazer para derrubar essa notícia? Ou, o que eu posso fazer para provocar e suplantar isso?
É verdade que o presidente desistiu do churrasquinho. Mas não pediu desculpas, nem admitiu que se tratava de um comportamento impróprio. Disse que o churrasco era fake news da imprensa e simplesmente foi passear de moto aquática.
Também não se desculpou pelo “e daí?” – a expressão de desdém pelos mortos que aparece em toda reportagem sobre o Brasil na imprensa internacional. O “e daí?” saiu assim no ato, não planejado. Quando alertado que estava gravado, fez outra narrativa, mas, de novo, sem admitir a impropriedade da primeira.
Temos, portanto, uma sequência de mau comportamento de um presidente inconformado com os limites do poder, assustado com os inquéritos que o envolvem e sua família e seus amigos, com ciúmes dos outros atores políticos e enraivecido com a imprensa séria e independente.
Esse tipo de comportamento prejudica os outros mas também prejudica a pessoa que o pratica. Em certos momentos, a gente pensa: mas o que quer o presidente, provocar sua queda?
É óbvio que ninguém está preparando um golpe contra ele. Mas a frequência com que o presidente fala disso é sinal de que, sim, ele acha que um inquérito no STF é uma tentativa de derrubá-lo.
O que o leva ao “acting out”. O mundo todo tem o mesmo problema: uma pandemia e uma recessão. O Brasil tem isso e mais um problema que o mundo não tem: Bolsonaro.
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