O estado foi palco de um caso que exemplifica bem a situação atual de descalabro. No início de abril, uma equipe do Ibama, com o apoio da Força Nacional, realizou uma megaoperação em reservas indígenas no sul do Pará — área onde o sistema identificou o maior território derrubado da floresta. Orientados por indígenas, os agentes flagraram, ao longo de duas semanas de investigação, serrarias, pontes e aeroportos clandestinos no meio da mata que deveria ser fechada, conforme relatório interno obtido por VEJA. Escondidos com galhos e folhas de árvores para escapar do radar dos helicópteros foram encontrados também tratores, galões de combustível e dezenas de armas. Depois, os fiscais incendiaram cerca de setenta equipamentos dos invasores, conforme manda a lei no caso de impossibilidade de realizar o transporte e a apreensão desses materiais.
O trabalho dos agentes na região continuou nos últimos dias, mas a equipe sofreu baixas importantes. Responsáveis por coordenar a megaoperação, dois diretores de fiscalização do órgão, Renê de Oliveira e Hugo Loss, foram exonerados na última quinta-feira, dia 30. O chefe deles, o diretor de Proteção Ambiental, Olivaldi Azevedo,já havia sido destituído no dia 14. A interlocutores, os profissionais disseram que não houve nenhuma determinação formal para interromper a fiscalização. Segundo eles, no entanto, ficou claro que a forma de trabalho “não agradou” à cúpula do Ministério do Meio Ambiente. Em 21 de abril, dezesseis analistas ambientais do Ibama saíram em defesa dos companheiros, enviando um documento de protesto à chefia do órgão ambiental. Já o Ministério Público Federal abriu uma ação civil pública para apurar se houve “improbidade administrativa e violação aos princípios da moralidade e legalidade” na demissão de Olivaldi. O Ministério do Meio Ambiente não justificou as demissões. Apesar de as ações no Pará estarem amparadas na lei, o presidente Jair Bolsonaro é um crítico contumaz desse tipo de operação. “Não é para queimar nada”, disse ele em abril do ano passado, criticando o ocorrido em um caso semelhante. O presidente também é um ferrenho defensor da exploração de minérios em áreas indígenas — desde fevereiro tramita no Congresso um projeto de lei do Executivo que autoriza essas atividades.
Quase um consenso entre os especialistas, o enfraquecimento da fiscalização por causa da Covid-19 pode levar a Amazônia a novos recordes de desmatamento. “É preocupante, porque ainda estamos na época das chuvas. A partir de maio a tendência é aumentar com as queimadas”, diz Carlos Souza Junior, pesquisador do instituto Imazon. No dia 23, a força-tarefa da Procuradoria na Amazônia moveu um processo na Justiça para cobrar a ação imediata do governo para conter a “destruição da floresta”. Diante dos alertas, a preocupação internacional com o tema voltou a aparecer. No dia 26, a consultoria global Eurasia alertou os investidores para o fato de que a pandemia aceleraria o desmatamento. O assunto ganhou destaque em jornais como o britânico The Guardian. A volta das manchetes internacionais acusando o Brasil de descaso com esse patrimônio ambiental é outra péssima notícia para a imagem do país, cujo governo já vem sendo retratado no exterior como um dos líderes do discurso negacionista em relação ao risco do coronavírus. O pior é que, em ambas as situações, as críticas são pertinentes.Eduardo Gonçalves
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