quinta-feira, 2 de abril de 2020

Morrer do vírus ou da arrogância?

Como os números o demonstram, os países asiáticos estavam mais bem preparados para enfrentar esta ameaça. Claro que podemos sempre criticar a forma como a China terá ocultado os primeiros sinais da epidemia (a História encarregar-se-á de o esclarecer), mas não podemos ignorar que, apesar disso, nações como a Coreia do Sul, Taiwan e Singapura (consideradas democracias) foram rápidas a tomar decisões e a controlar os focos de contágio.

Os factos são elucidativos. Aos primeiros sinais, esses países acionaram os seus planos de emergência – não os começaram a escrever, nesse momento. Garantiram também que existiriam ventiladores suficientes nos hospitais – não os começaram a encomendar quando as enfermarias ficaram sobrelotadas. Certificaram-se de que tinham kits para testar todos os que tenham contactado com alguém infetado – e não apenas os suficientes para os que apresentassem sintomas da doença. Providenciaram a existência de máscaras para toda a população (já habituada a usá-las) – e não as tinham racionadas para servir, à justa, os médicos e enfermeiros na linha da frente. Finalmente, puseram em campo algo inédito em epidemias anteriores: um enorme manancial tecnológico e de Inteligência Artificial, capaz de fazer de cada smartphone um posto de vigilância individual e, em simultâneo, de segurança coletiva (hipotecando com isso, é certo, a privacidade ao bem comum). Em todos esses países, desde o primeiro momento, não houve espaço para excessos de confiança nem, muito menos, para a balela arrogante de que era apenas “mais uma gripe”.


Confesso que aprendi muito sobre isto a ler alguém que, até há poucos dias, me era um perfeito desconhecido: Kim Woo-ju, especialista em doenças infectocontagiosas e o professor mais antigo da principal universidade de Seul, na Coreia do Sul. Nos últimos 30 anos, ele esteve sempre na primeira linha de combate aos focos epidémicos que assolaram aquele lado do planeta: sida, SARS, MERS, gripe suína, gripe das aves, etc. Alia, com uma série de outros colegas, um vasto conhecimento científico a uma experiência rara de ação. Não tem dúvidas de que o combate à Covid-19 vai ser longo e difícil. Mostra-se estupefacto por nos países ocidentais não se promover o uso da máscara entre a população – “só pode ser por razões económicas”, refere –, mas também reconhece que há fatores culturais e de experiência recente que dividem os dois mundos. “Nós já não precisamos de ensinar às pessoas como se lavam as mãos, porque fizemos isso, em larga escala, nas epidemias anteriores”, sublinha.

Ao contrário de outros conflitos, esta guerra não será resolvida pelo poderio militar ou por sanções económicas. Quem vai derrotar o vírus, com medicamentos e uma vacina, serão os cientistas. Só que estes, para poderem triunfar, precisam do enquadramento adequado, como sublinha Kim Woo-ju:“Isto é Ciência; precisamos de ser humildes. No momento em que nos tornarmos arrogantes, perdemos. Vamos precisar de manter a humildade até que isto termine.”

Há, por isso, uma lição que devíamos aprender com esta crise e que se resume a uma única palavra: humildade. Vai ser com a “humildade” de testarem centenas de medicamentos e de hipóteses que os cientistas vão encontrar uma cura para o vírus. Sem fanfarronices e a aprender com a experiência. Terá de ser também com a mesma humildade que os países vão ter de procurar soluções para a guerra seguinte. Se a “humildade científica” salva vidas, terá de ser a “humildade política” a salvar os empregos, as empresas e a reconstruir a economia. Com uma certeza: a de que nunca houve outra crise como esta, tão global. Desta vez, trata-se apenas de tentar repor o que existia, como se fez na Europa depois da II Guerra Mundial: reconstruir o que tinha sido destruído pelas bombas. Apenas e só isso, sem imposições de reformas ou de ajustamentos. Garantir que as empresas voltam a funcionar, que as pessoas regressam aos seus empregos, que tudo será de novo o que era antes do vírus.

Se o souber fazer com humildade e respeito pelas pessoas, sem clivagens regionais, a Europa terá aqui uma oportunidade de voltar a demonstrar que o seu projeto, assente na solidariedade, na liberdade, na democracia e no desenvolvimento, é o melhor exemplo para o mundo. Se, ao contrário, insistir no estilo arrogante do “salve-se quem puder e for mais rico” dos tempos de 2008-2009, então pode perder quaisquer ilusões de futuro. Não morrerá do vírus, mas da falta de humildade. Ou antes: da sua arrogância.

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