E por acaso ele se cala? Por acaso considera o excepcional desses dias a ponto de conter sua natureza estrepitosa? Considera nada, cala-se nada. Veja os da prefeitura, mal o sol nasce, pondo uma serra elétrica para rasgar o ar da manhã bem debaixo das nossas janelas. O vizinho fazendo um prédio inteiro de gente confinada amargar o gemido da sua furadeira. Do outro lado da rua, faz já quatro dias, alguém corta um piso de cerâmica com outra serra. Então esse trabalho de estorvar lhes vale a vida? Querem se sobrepor ao nosso silêncio, querem arranhar toda pretensão de paz alheia, ensurdecer a alegria incomum dos pássaros nas tardes incomumente despoluídas. Parece um impulso tão colado a esse homem que já faz parte constitutiva de seu ser. Não é o excesso de energia sem vazão de uma criança a jogar bola dentro de um apartamento, não é a fome da alma em lançar música aos quatro ventos, não é de vida represada esse barulho da cidade aparentemente sem movimento. É de uma suprema indiferença. De um diabólico prazer, talvez. Que lhe interessam os céus de repente estonteantes de vermelhos e lilases? Ele não irá parar por nada, a menos que o corpo não aguente. “Viva a cloroquina!”, gritavam os que faziam festa, semana passada, na casa da esquina. O deboche dessa gente comparsa da morte aliciando seu exército de suicidas. Gritam, grunhem, profissionais dos infernos, produzem a trilha sonora da nossa loucura num diligente envenenamento. Se a paz não for de todos, não será de ninguém, é o que parecem dizer também. Que esses dias, afinal, são de guerra, mesmo dentro da primeira manhã cheia de pássaros. Ele, esse homem-serra, homem-martelo, indiferente, está aí para nos lembrar que, sim, mal amanhece, é guerra.
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