quinta-feira, 12 de março de 2020

Porque não vimos o vírus chegar?

Bill Gates é poderoso, o segundo homem mais rico do mundo e, naturalmente, tido por pessoa muito influente. Tão influente que, por exemplo, sempre que divulga a sua lista anual dos livros que leu e de que mais gostou, consegue, só com essa recomendação, tirar uma série de autores do esquecimento e catapultar qualquer título para as listas dos mais vendidos. É também reconhecido como um ser com uma inteligência acima da média, que costuma emitir opiniões bem fundamentadas que lhe advêm de um vasto conhecimento da realidade mundial. Apesar de todos esses atributos, a verdade é que, no caso da saúde pública, a voz de Bill Gates não é, de facto, tão escutada quanto podem sugerir os sorrisos ou os acenos de cabeça afirmativos dos líderes que com ele se reúnem por esse mundo fora – como esta epidemia do novo coronavírus tem demonstrado.

Há um vídeo de Bill Gates, disponível no YouTube, que merece ser visto, pelo seu carácter premonitório. Nele, numa palestra Ted, em Vancouver, o fundador da Microsoft recorda como cresceu a temer, acima de tudo, a possibilidade de uma guerra nuclear, mas como acabou, recentemente, por mudar de opinião.


“É mais provável morrerem dez milhões de pessoas nas próximas décadas devido a um vírus altamente contagioso do que devido a uma guerra nuclear. A maior ameaça atual já não são os mísseis, mas sim os micróbios”, diz, perante uma plateia em silêncio, a quem enumera, depois, os vários passos que deveriam ser dados para nos protegermos de uma epidemia dessa dimensão, com base na experiência tida no combate ao ébola, em África. “Não é preciso entrar em pânico, mas precisamos de começar a trabalhar, porque o tempo não está do nosso lado”, declara Bill Gates.

“Se começarmos agora, podemos estar preparados para a próxima epidemia”, remata no final da conferência, realizada em março de 2015. Ou seja: há cinco anos – cinco anos que, percebemos agora, foram perdidos na procura dos planos globais para combater uma epidemia.

O que não deixa de ser preocupante, em especial se pensarmos que, se o apelo daquele homem rico, respeitado e influente caiu depressa no esquecimento, o mesmo poderá suceder com os pedidos semelhantes, repetidos nos últimos tempos, por uma adolescente que alguns dizem ser irritante, para se tentar evitar as piores consequências do aquecimento global. Pelas mesmas razões: a de persistirmos em olhar para este tipo de ameaças como só sendo concretizáveis num futuro que achamos demasiado longínquo. Por, no fundo, nos recusarmos a olhar de frente para os perigos que aí vêm e que os cientistas já previram. Bill Gates e Greta Thunberg avisaram. Quem é que não os ouviu?

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