terça-feira, 17 de março de 2020

Escassez de estadistas

Em novembro de 1954, o então primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, ao completar 80 anos, foi homenageado no Parlamento de seu país. Em seu pronunciamento, o líder da oposição trabalhista Clement Attlee destacou que os discursos de Churchill durante a 2.ª Guerra Mundial, que tanto inspiraram os britânicos a enfrentar a tirania nazista, “expressavam a determinação não só do Parlamento, mas de toda a nação”. Essa capacidade inigualável de traduzir em palavras a alma de um povo, motivando-o a seguir adiante e superar as piores adversidades, fez de Churchill o maior estadista de seu tempo.

Seu grande legado é a preciosa lição de que governantes não são apenas gestores de recursos públicos; antes, são líderes políticos que devem ser a referência de sobriedade e determinação em momentos de incerteza, quando a voz respeitada da moderação deve se sobrepor ao alarido irresponsável da confusão.


Assim, são justamente turbulências graves como esta causada pelo coronavírus, com consequências tão amplas quanto imprevisíveis, que separam os estadistas dos políticos medíocres. Os primeiros são aqueles que sabem preparar seus governados para os inevitáveis sacrifícios que certamente terão de ser feitos nos próximos tempos, em razão do impacto econômico e social da crise. Já os segundos são aqueles que mobilizam a opinião pública com assuntos irrelevantes ou apenas polêmicos, muitas vezes com o objetivo de esconder sua incapacidade de governar e lidar com problemas dessa profundidade.

No primeiro caso, os estadistas, por se interessarem genuinamente pelo futuro e o bem-estar da nação, conseguem atrair o apoio mesmo de quem deles pensa diferente, com o objetivo de superar eventuais divergências e unir esforços para fazer o que é necessário.

Infelizmente, o mundo em geral, e o Brasil em especial, enfrenta uma escassez de estadistas e um excesso de governantes despreparados, não apenas do ponto de vista da administração, mas, sobretudo, sob o aspecto da liderança.

Nestes tempos de vulgaridade militante, confunde-se liderança política com capacidade de arregimentar seguidores em redes sociais. Quanto mais barulhentos e irracionais forem os discursos desses oportunistas, maior é o engajamento de quem prefere a ofensa ao diálogo. Pouco importa, no ambiente tóxico das redes, se esse tipo de liderança é eficiente para conduzir o País a bom porto; ali, o que interessa é apenas alimentar o tribalismo e, assim, estigmatizar, muitas vezes em termos violentos e impublicáveis, quem tem outra opinião.

É evidente que, nesse clima de guerra, não se pode falar em convergência de esforços e ideias para solucionar os problemas ou ao menos para mitigar seus efeitos mais sérios. Ao contrário, são cada vez mais numerosos os que torcem pela ampliação da crise como forma de minar o governo e as chances eleitorais do presidente. Em qualquer circunstância, trata-se de um óbvio disparate, pois o colapso da economia e a deterioração das instituições não ajudam ninguém - a não ser os incendiários.

Por mais difícil e desgastante que seja, é preciso que os políticos conscientes de seu papel se apresentem ao duro trabalho de convencer os brasileiros de que esse confronto, tão ruidoso quanto vazio de significado, não levará a nada, a não ser a um dispêndio de preciosa energia, necessária para o enfrentamento dos graves transtornos que o País atravessa.

No Brasil, o cargo de estadista está vago, pois temos um presidente que não está à altura nem do cargo nem dos desafios que se lhe apresentam. É claro que nenhum dos candidatos a essa missão precisa ser um Churchill, mas é possível pelo menos almejar seu grande exemplo. Na tempestade perfeita que une um governo perdido, uma atmosfera de discórdia, uma economia letárgica e um vírus descontrolado, urge parar de perder tempo com tolices extremistas, produzidas pelo submundo delinquente da internet, e concentrar esforços para mobilizar a opinião pública contra o nosso grande e resiliente inimigo: a mediocridade.
Editorial - O Estado de S. Paulo

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