Na verdade, descartado o jogo de cena, nem a esquerda, nem a direita da privilegiatura admitem que toquem nos privilégios dela. Não ha nada a estranhar no fato de um país naufragado continuar sendo estuprado por aumentos automáticos nos salários do funcionalismo público indemissível. Como todo mundo na vida como ela é, os políticos também só “entregam serviço” para quem tem o poder de “demiti-los”. E o funcionalismo é o único corte da população que tem não só um canal direto de cobrança como também o poder de retaliar esses “patrões” eventuais sabotando os mandatos deles. Para o resto de nós eles são inatingíveis uma vez eleitos.
O político padrão não formula políticas. Isso é coisa de estadista. São apenas oportunistas úteis que atendem demandas do mercado eleitoral para chegar ao poder e continuam a fazê-lo apenas e tão somente para permanecer no poder. A quem amarrar o destino deles é, portanto, a questão que decide tudo. Enquanto a política continuar fechada em si mesma toda ação dos políticos, malgrado todos os esforços dos eventuais estranhos nos ninhos dos Legislativos e dos Executivos, continuará respondendo exclusivamente à única força em condições de submetê-los.
Deu pra levar enquanto havia o bastante para que o País Real se mantivesse em ascensão mesmo sangrado sem parar pelo Pais Oficial. Mas em alguma altura do percurso do tsunami arrecadatório que FHC pôs para rolar e o lulismo acresceu da roubalheira e do empreguismo publico desenfreados, foi contornada a “Curva de Lafer” que assinala o ponto onde o custo do Estado e a carga de impostos matam a economia e a arrecadação diminui mesmo aumentando as alíquotas. Hoje, entre ativos, aposentados e hereditários, eles são por volta de 10 milhões de pessoas. Menos de 0,5% da população, mas que come 97% do trilhão e meio de reais, mais de 40% do PIB, que os governos nos arrancam na forma de impostos todo ano. Seus privilégios podem ser vistos até lá do Banco Mundial que mede a distância entre os ricos e os pobres do mundo. E o buraco do Brasil, onde excluídos os muito ricos e alguns outros espécimes raros em vias de extinção existem os funcionários públicos e os pobres é recorde no planeta.
Quanto às reformas tributária e administrativa e as outras tentativas do ministro Guedes de modular a despesa pela receita a questão é simples. A única solução eficiente é também a única solução decente: flexibilidade absoluta. Qualquer outra não funciona. Qualquer outra é indecente. Só se explica pela preservação de privilégios odiosos.
Não adianta discutir a cada 50 anos a alteração de regras que não serão cumpridas nem gerarão consequências para quem as desrespeitar porque tudo continuará sendo uma ação entre amigos. Enquanto não ligar o fio terra do País Oficial no País Real e fizer toda decisão política começar e acabar no povo continuaremos assistindo essa briga de foice no escuro entre grupos de interesse pelos pedaços do orçamento público. Uma hora está mais pra sindicalista de ladrão, outra mais pra sindicalista de polícia, mas tudo que sobra para o povo é sempre aparar as foiçadas à mão nua.
Só o que resolve é mudar quem tem o poder de punir o descumprimento da regra.
“Eleições” como essas que temos por aqui não chegam nem a arranhar a pele do “Sistema”. O eleitor só é chamado para a disputa de pênaltis de um jogo jogado à sua revelia para chancelar com seu voto os plenos poderes vitalícios e hereditários entregues a mais uma fornada de representantes de si mesmos que nunca vão saber quem foi que os elegeu, antes de ser expulso de campo de novo.
A “petrificação constitucional” do privilégio por “direito adquirido” – que torna exigível à mão armada de lei a repetição ad infinitum de qualquer assalto da privilegiatura ao bolso da escravatura que tiver sido perpetrado uma vez – é o substituto da “vontade de deus” na velha ordem absolutista. “Cola” exclusivamente porque tem por trás a ameaça da “fogueira”, da morte econômica, da paralisia burocraticamente imposta, da devassa permanente, do processo sem fim, do “esculacho” policial e da cadeia. O castigo depende da casta a que o indivíduo pertence mas é absolutamente certo.
Mas certo também como a História mostra que é, isso acaba inevitavelmente em revolução. E revolução por revolução a melhor é a sem sangue. Chama-se “democracia representativa”.
O primeiro passo deve ser, portanto, instalar na “pátria amada” a condição sem a qual uma democracia representativa é impossível: o voto distrital puro com recall que amarra com transparência absoluta, pessoal e intransferível o destino de cada representante eleito à satisfação dos seus representados.
Isso dará aos brasileiros as pernas que hoje lhes faltam para caminhar por si mesmos. Então, bons de drible como sempre fomos, poderemos discutir, diante do que der e vier, para que lado queremos ir.
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