domingo, 16 de fevereiro de 2020

Não há boa-fé na América

Lamento do timoneiro Simon Bolívar, há dois séculos, parece apropriado para nossos dias: “Não há boa-fé na América, nem entre os homens ,nem entre as nações. Os tratados são papéis, as Constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade é anarquia, e a vida um tormento”. O cotidiano nacional que o diga.

A desconfiança grassa, a boa-fé se esvai, as emboscadas se multiplicam. Matar? Coisa banal. A política é uma colcha de retalhos; partidos, fontes de negócios. Hoje, há 33, e mais um pouco serão 70. O governo vai trocando músicos de sua orquestra, convocando generais de grande expressão e mantendo seus dois pilares: o “Posto Ipiranga” pilota a economia e tem falas desastradas, enquanto o outro comanda a Justiça e a Segurança Pública, desviando-se de enfrentamentos. Olha para 2022, se não subir ao STF.


Ontem, petistas semeavam o ódio com o “nós e eles”. E o maestro Luiz Inácio glorificava: “Nunca se fez tanto na história no Brasil”. Não reconhece os desvios petistas nem a maior recessão da história, fruto do lulopetismo.

Hoje, bolsonaristas cultivam o refrão invertido “eles e nós”. O capitão desfralda a bandeira da “salvação do país contra a ameaça comunista”. Os Poderes vivem às turras. Dias Toffoli, presidente do STF, decidiu-se pela criação do “juiz de garantias” em 180 dias; o vice-presidente Luiz Fux suspendeu a pretensão por tempo indeterminado. O governo tinha urgência na reforma administrativa. Não tem mais. Na tributária, a briga é de cachorro grande. No Congresso, o desfile de falas e caricaturas se estenderá até o pleito sob o hino: “É dando que se recebe”.

A Constituição, amontoado gigantesco de detalhes, se presta a litígios e em muitos pontos não é obedecida, abrindo o espaço da impunidade e da desorganização. Vira letra morta.

As eleições deste ano prometem uma batalha renhida, com impropérios, fake news, calúnia, difamação, compra de votos (isso continuará), cooptação, distribuição de benesses. A política vira negócio – e que negócio! Aristóteles jamais imaginou que a arte de fazer o bem seria usada só para os bens de alguns. Milhões inundam cofres partidários.

A liberdade, esteio da democracia, transforma-se em baderna, com irresponsabilidade e invasão de espaços privados. Vituperar contra a imprensa torna-se prática de governantes (e também das oposições). O escopo libertário da Revolução Francesa parece fantasia. Dignidade e cidadania só para poucos. O inimigo, que era o Estado opressor, agora é o Estado coletor. Impostos e tributos sobem a montanha. A igualdade é uma quimera.

Os cárceres são escritórios de planejamento do tráfico de armas e de drogas. Balas perdidas matam sem parar. Milhares de leis são papéis rotos. A anomia ganha corpo. Os órgãos de controle e defesa social – MP, PF, AGU, entre outros – disputam poder. O desemprego fustiga quase 12 milhões de brasileiros. A Lava Jato perde força. Grupos continuam a se incrustar nas administrações federal, estadual e municipal para aumentar seu poder de fogo. A corrupção acabou? Nada. Diminuiu um tiquinho. O lamento de Bolívar está escrito em todos os cantos. Claro, sem falar da Venezuela, onde Maduro está caindo de podre.

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