A presença de Moro no Governo Bolsonaro nestes momentos críticos se torna duplamente importante, enigmática e até perigosa. Há apenas alguns dias confessou que o presidente Bolsonaro é uma pessoa “muito digna” com quem tem uma boa relação de trabalho. A impressão que se tinha é de que Moro, que já não excluía que poderia se candidatar a vice-presidente nas próximas eleições, seguindo suas ambições políticas cada vez menos negadas, aparecia cada dia mais próximo do bolsonarismo mais duro. E agora? É verdade que pode dizer que não é mais o temido juiz da Lava Jato e apenas ministro da Justiça. Isso em teoria. Na prática, sua figura e sua imagem de intransigência contra a corrupção o colocam agora em uma situação que poderia significar seu teste definitivo. Terá de escolher. Continuará apostando em Bolsonaro e sua família diante dos novos acontecimentos? Continuará brincando de avestruz como se isso já não lhe dissesse respeito?
Outra pergunta que se impõe é até que ponto agora Bolsonaro continuará confiando em seu superministro ou temerá que possa ser traído, apoiado no consenso popular que apresenta, maior que o do presidente. Talvez tenha sido uma simples casualidade, mas, justamente neste momento surgiu a notícia de que o presidente está pensando em desdobrar o Ministério da Justiça para criar o Ministério da Segurança Pública, cuja missão é um dos êxitos de Moro no Governo, com a diminuição da criminalidade — embora os especialistas digam que não há elementos confiáveis para atribuir a queda de mortes violentas às políticas implementadas neste ano. Será que Bolsonaro está começando a duvidar da lealdade de seu ministro que também lhe servia de escudo e teme uma dessas traições das facas longas? Estaria considerando sangrar os poderes de seu ministro que de escudo pode se tornar seu inferno?
Se é difícil decifrar o que a esfinge Moro pensa hoje sobre as nuvens cinzentas que pairam sobre a família do presidente Bolsonaro, da qual está sendo rasgada uma das bandeiras fortes de seu programa, como era a luta contra a corrupção a qualquer preço, não é menos enigmático o que Bolsonaro começa a pensar sobre ele e seus escândalos que já parecem ter rompido suas margens. O presidente poderá temer uma traição de Moro, com sua fama internacional de juiz duro, que não tremeu a mão ao colocar na cadeia o mítico ex-presidente Lula e que sabe ter muitos anos pela frente em sua ainda indecifrável vocação de poder?
O mais seguro é que as próximas semanas e meses, ou talvez apenas dias, sejam definitivos nessa relação de amor e ódio que hoje une os dois personagens com maior poder no país e que, ao mesmo tempo, são seguidos perigosamente em seus passos pelo governador do Rio, o ex-juiz Wilson Witzel, não menos duro e ambicioso do que os dois, que não têm escrúpulos em anunciar desde já que poderá enfrentar Bolsonaro nas urnas.
Só Bolsonaro? E se o acaso fizesse que seu oponente na disputa pela presidência fosse Moro? Ambos foram juízes. Ambos ainda são jovens e têm fome de política. Dois duros que anunciaram ser a favor de mão forte contra o crime, o que lhes rende o aplauso das hostes bolsonaristas.
Talvez seja necessário, para tentar analisar o complexo panorama político aberto pelas investigações cada vez mais importantes e sombrias sobre a família do presidente, desenterrar o mito da esfinge grega, que era um demônio destrutivo com asas manchadas de sangue e que Sófocles chamava de “cruel cantora”. Esfinge e enigma, filha do rei Laio, cujo enigma, conhecido apenas pelos monarcas de Tebas, fora desvendado.
Para uma política correta e não destrutiva, mais do que enigmas e segredos, seriam necessários, como se dizia no jornalismo clássico, “luz e taquígrafos”, transparência e respeito pela verdade. Bolsonaro usa as palavras da Bíblia em seu lema de governo: “a verdade os libertará”. Essa verdade que desintoxica a política é o que o Brasil está precisamente necessitando nestas horas em que parece estar vivendo os fantasmas das pitonisas antigas.
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