Este é um retrato de nossos dias. O garoto G.H.S., 10 anos, morador de uma comunidade pobre do Recife, precisava fazer o dever de casa, mas não tinha notebook ou tablet, onde pudesse pesquisar. Os poucos equipamentos da escola são compartilhados por todos os alunos. Não é fácil encontrá-los disponíveis.
Uma colega, da mesma idade, que mora perto da casa do menino, possui um smartphone. Mas, no dia de fazer o dever de casa, o sinal da internet, que normalmente pega mal onde eles moram, piorou. Sabe desses alunos que fazem questão de levar o dever de casa prontinho para a sala de aula e adoram estudar para tirar notas boas?
G.H.S. não teve dúvidas. Dirigiu-se a uma loja do shopping center que fica junto da comunidade. Entrou, viu um tablet na prateleira, ligou o aparelho e começou a fazer a pesquisa ali mesmo. Era tão bom que nem travava! Fez o exercício inteiro! No final, foi flagrado por um funcionário da loja. Ele, na verdade, observava enquanto o garoto anotava, num caderno, o que pesquisava na internet. Ficou curioso para saber do que se tratava.
Ao compreender o significado daquele momento, tratou o caso com sensibilidade. Mas, em tempos de redes sociais, achou interessante filmar e o vídeo viralizou. O uso do tablet da loja terminou sendo uma acusação de uma sociedade injusta e cruelmente desigual.
A atitude do garoto invocava a educação dependente da tecnologia como motivo para ele estar pesquisando num equipamento exposto para ser vendido. Fazer o exercício pressupunha, também, a força do desejo de estudar vencendo a barreira da falta de condições financeiras para realizar um sonho tão nobre. G.H.S. não queria levar o tablet, apenas fazer a incumbência que recebeu da professora.
A intenção do menino também estava longe de ser um protesto, ou uma atitude para tocar na consciência e na lucidez das pessoas. Pelo menos, não foi um protesto intencional. Mas, a situação por si foi, é e será uma denúncia de exclusão. Exemplo de uma lógica desumana no que diz respeito à distribuição desigual do acesso a computadores e internet.
É indiscutível que a tecnologia pode ser um instrumento de desenvolvimento e crescimento econômico. Mas, num país como o Brasil, onde grande parte da população mal tem o que comer, é um contrassenso imaginar que as pessoas possuirão computador, tablet ou smart. Há poucos dias saiu uma pesquisa dizendo que a metade do povo brasileiro vive com cerca de R$ 450 por mês.
Resumo da tragédia: os avanços tecnológicos nos reduzem aos que somos.
Dá para compreender o quanto a simples atribuição de um dever de casa tornou-se o detonador de uma atitudes inusitada para G.H.S.
As consequências sociais, econômicas e culturais dessa distribuição desigual são dolorosas. E os poderes públicos brasileiros, embora saibam que as faturas estão vindo com juros e correções, insistem em não oferecer políticas ou estratégias para reduzir o impacto negativo dessa dinâmica da exclusão digital.
Cícero Belmar
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