Ao decidir abandonar o PSL e fundar novo partido em que seus correligionários mais fiéis possam estar congregados e claramente apartados, o presidente deflagrou um rearranjo do quadro político-partidário brasileiro que, em tese, poderia até deixá-lo um pouco menos caótico.
Se Bolsonaro conseguisse, de fato, criar o Aliança pelo Brasil (APB) e, aos poucos, nele congregar bolsonaristas incontestes hoje abrigados em várias outras agremiações — do PSL ao DEM, do PP ao Novo —, a distribuição de forças políticas entre partidos de maior relevância do país ficaria bem mais clara.
Tal separação ajudaria inclusive a dirimir as infindáveis controvérsias acerca das reais proporções do que vem sendo rotulado de bolsonarismo de raiz. E da importância que poderá vir a ter na evolução do quadro político brasileiro. Sobretudo quando se leva em conta que as linhas divisórias que distinguem a nova agremiação não deixam margem a dúvidas sobre a sua caracterização.
O que é preocupante é a estreiteza dessa caracterização, que parece extraída das piores páginas do personalismo político latino-americano. Basta ter em mente a sem-cerimônia com que a cúpula do novo partido foi ocupada por membros da família Bolsonaro. E, também, os termos inequívocos em que está vazado o pífio manifesto de criação do APB: “Muito mais que um partido, é o sonho e a inspiração de pessoas leais ao presidente Jair Bolsonaro”. Salta aos olhos que a aliança que se antevê não é propriamente pelo Brasil, mas por Bolsonaro. E sua prole, claro.
Tanto no manifesto como na declaração de princípios do partido, dada a público na primeira convenção nacional do Aliança pelo Brasil, realizada na semana passada, em Brasília, não há qualquer menção à complexa agenda de reformas que o país terá de enfrentar nos próximos anos.
Tudo indica que não será nada fácil conseguir que o novo partido obtenha registro ainda a tempo de disputar as eleições municipais de outubro. As exigências burocráticas impostas pela legislação em vigor requerem o apoio formal de mais de 490 mil eleitores, distribuídos por pelo menos nove estados, com assinaturas submetidas, uma a uma, ao crivo de cartórios eleitorais. Estima-se que o APB terá que conseguir finalizar seu processo de registro em pouco mais de 120 dias, para estar apto a disputar as eleições municipais.
Entre as várias possibilidades de abreviação do processo, já foram aventadas a mobilização das igrejas evangélicas na coleta de assinaturas, o uso de assinaturas eletrônicas, afinal descartado, por excessivamente dispendioso, e o recurso a técnicas de reconhecimento facial, ainda pendente de autorização pela Justiça Eleitoral, que, de resto, não tem escondido sua resistência à criação de novos partidos.
Há quem diga que o presidente já está mais do que convencido de que será inviável conseguir que o novo partido seja registrado em prazo tão exíguo. E que pretende fazer bom uso dessa inviabilidade, para se manter formalmente ao largo das eleições municipais de 2020 e evitar que o desfecho do pleito venha a ser visto como avaliação do seu governo.
Pode até ser. Mas, para efeito do argumento que aqui se desenvolve, pouco importa se o presidente conseguirá ou não registrar sua nova agremiação política ainda a tempo de disputar as eleições municipais do ano que vem. Ou o que fará se, afinal, o registro não for obtido a tempo. O que interessa é a estreiteza de visão e o personalismo tacanho que claramente permeiam o projeto político explicitado pelo Planalto.
Como poderá um presidente com um projeto tão estreito incutir na opinião pública e no Congresso o senso de urgência requerido para fazer avançar o ambicioso e crucial programa de reformas que o país tem pela frente?
Rogério Furquim Werneck
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