segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Mal de Parkinson da burocracia

São da mesma natureza os impulsos de gastar tudo ou mais do que se ganha, de esgotar rapidamente a capacidade de armazenamento dos aparelhos e contas digitais na nuvem e o que faz as burocracias incharem. Esses impulsos obedecem à Lei de Parkinson. Seu formulador foi o britânico Cyril Parkinson, sem parentesco conhecido com o médico James Parkinson, descobridor da doença degenerativa. Cyril Parkinson, historiador e escritor, derivou a lei que o faria conhecido no final da Segunda Guerra Mundial, quando um fenômeno no departamento que administrava as colônias britânicas chamou sua atenção. Mesmo com o desmantelamento do império e a perda das colônias, o departamento continuava crescendo e, em pouco tempo, atingiu o dobro do tamanho ostentado no auge da dominação territorial britânica na Ásia e na África. Se não forem contrariadas, observou ele, as burocracias tendem a ocupar todos os espaços e a se expandir, multiplicar suas tarefas e, com elas, seus ganhos e privilégios — na proporção inversa da carga real de trabalho requerida de seus integrantes.



“Os gastos sobem até empatar com as receitas”, diz também a Lei de Parkinson. Essa parte foi levada tão a sério no Brasil que a entronizamos no texto da Constituição de 1988, criando despesas obrigatórias vinculadas à arrecadação. A lei descoberta pelo britânico é incontrastável. Ela nos interessa especialmente agora quando, finalmente, com a entrada na pauta da Reforma Administrativa, vamos enfrentar o desafio de tornar suportável o peso do Estado sobre os ombros de quem investe, empreende e contrata. Pessoas que, na formulação dos economistas clássicos, pagam um preço alto para correr riscos. É evidente por si mesmo que a oferta de empregos depende da disposição desse pessoal de aceitar os riscos de investir. A Reforma Administrativa vai confrontar burocracias federais que, não importa sob quais governantes, incharam seus privilégios na proporção inversa do trabalho requerido delas. As evidências variam conforme a metodologia adotada, mas todos os estudos demonstram o mesmo fenômeno que chamou a atenção do britânico encarregado das colônias. O Ministério da Economia informa que, entre 2001 e 2018, os gastos com o funcionalismo federal cresceram o dobro da inflação no mesmo período. A Pesquisa de Domicílios do IBGE mostra que oito de cada dez burocratas federais estão entre os brasileiros 20% mais ricos. O Banco Mundial revelou, na semana passada, que os funcionários da União ganham o dobro dos brasileiros empregados no mesmo nível na iniciativa privada.

A farra com dinheiro público no Brasil nem de longe é exclusiva dos altos funcionários. Baseado nos seus ganhos, nossos parlamentares são da Califórnia. Não tem ninguém de crachá federal da Tanzânia ou do Haiti. Os parlamentares da Califórnia são os mais bem pagos dos Estados Unidos. Eles ganham o equivalente a 36.000 reais mensais. Os rendimentos deputados federais do Brasil se igualam aos da Califórnia – estado onde, atenção, a renda per capita é seis vezes superior à brasileira. Difícil encontrar distorções mais paralisantes para um país em busca de justiça social.

São muitos os servidores públicos de valor. A maioria é honesta e operosa. Alguns são heróis e ganham aquém de seu merecimento. Como grupo, porém, são detentores de uma regalia rara de se encontrar em regimes republicanos. A reforma será bem-sucedida se conseguir que, ao invés de trabalhar em seu próprio benefício, a burocracia estatal se engaje na criação da “máquina mercado-governo de inovação”, que o Paul Romer, ganhador do Nobel de economia do ano passado, aponta como essencial para a sobrevivência dos países. Cyril Parkinson morreu há 26 anos, no dia 9 de março. Fica a sugestão ao Congresso. Depois de aprovar a reforma administrativa, fazer dessa data o Dia Nacional da Luta Contra o Mal de Parkinson da Burocracia— não precisa ser feriado.
Eurípedes Alcântara

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