Esta é uma oração cívica, o clamor de quem já não sabia mais a quem rogar salvação e súbito te vê sentada, brasileiríssima, à mão direita da delicada nuvem dos santos católicos. Olha por este teu velho pelourinho. Faz a poesia suprema de lançar sobre todos que aqui ficaram, de preferência hoje ainda, o claro raio de sua mensagem ordenadora.
Sei que o sofrimento é parte da qualificação católica. Carregar a cruz, pagar pelos pecados e só aí então, depois de suportada a dor dos espinhos, provar o mel da aleluia e da suprema delícia da ressurreição. Abrevia-nos, porém, ó bem aventurada dos desvalidos, este momento de implacável suplício que ora nos acomete a honra e apequena a fé. Dá uma força aí.
Eu sei que passaste há bem pouco por aqui, Santa Dulce dos Pobres, e ainda tens no colo o peso dos famélicos que pediam uma palavra de esperança. Continuam todos nas calçadas, tudo como dantes em nossa miséria de séculos - mas há novos problemas.
O Brasil, que desde ontem te tem no altar dos poucos orgulhos nacionais, é um país cada vez mais sozinho, um barracão tosco erigido à glória das mentiras, ao culto do meu pirão primeiro e ao louvor do blasfemo. Já fomos um trecho do hino do Esporte Clube Bahia, aquele do "Ninguém nos vence em vibração". Viramos um samba canção triste do Antonio Maria. Ninguém nos ama, ninguém mais nos quer por perto.
Eu poderia te poupar, irmã Dulce dos pés descalços, deste estresse cívico de receber uma oração com pedido de urgência logo no primeiro dia em que usas a auréola de santa. Foi mal. Eu poderia seguir a ordem natural das coisas e redigir esta santa petição de súplicas a Frei Galvão, o brasileiro que também teve o êxtase da canonização e está há mais tempo no cargo de santo. Mas, sem desmerecer os milagres do paulista, e há anos deposito minha crença nas suas pílulas miraculosas, eu sei que uma santa baiana entenderá melhor o novo mal que agora nos acomete. Esta oração roga por tua interferência divina.
Os governos mudam, irmã Dulce, e desta vez eles acrescentaram à falta de pão, saúde e bons modos uma calamidade inédita - a falta de alegria. A tristeza tornou-se a grande senhora. Em nome de um Cristo que não é o teu, nem também o meu, ela dá as cartas num país que se arrasta macambúzio pelo breu das tocas. Chama de putas as artistas, quer acabar com o carnaval e vê o rabo do diabo em tudo que, vira e mexe, dá prazer. A morte é rainha. Atira ódio para todos os lados.
Tenho certeza, e aqui me despeço genuflexo, que uma menina baiana vestida no abadá dos santos perceberá o desatino dos tempos - zombam da fé os insensatos - e nos ajudará a todos com a alegria que for possível, na paz dos homens bons, e amém.
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