domingo, 29 de setembro de 2019

Estudo indica que queimadas na Amazônica ocorreram em áreas desmatada este ano

As dramáticas fotos de uma Amazônia em chamas que atraíram a atenção mundial em agosto não correspondem à queima de florestas tropicais, e sim a áreas que foram desmatadas ao longo de 2019 e incendiadas em agosto para concluir sua conversão para uso agrícola. É o que revela um relatório divulgado esta semana pelo Projeto de Monitoramento da Amazônia Andina (MAAP) ao qual a Mongabay teve acesso exclusivo antes de seu lançamento.

Pelo menos 125.000 hectares (o equivalente a 172.000 campos de futebol) foram desmatados desde o início de 2019 e depois queimados em agosto, segundo o relatório. A maioria das ocorrências foi observada no Amazonas, onde 39.100 hectares foram desmatados e depois queimados, ou cerca de 30% do total. A mesma sobreposição também foi detectada em Rondônia e no Pará, onde houve numerosos focos de incêndio em agosto. Esses foram os últimos números disponíveis pelo estudo antes da publicação desta reportagem.

O MAAP divulgou um mapa inédito que liga o desmatamento de 2019 aos focos de incêndio, além de 16 vídeos em time-lapse de alta resolução como evidências complementares da sobreposição de áreas de desmatamento e queimadas na Amazônia.


O mapa sobrepôs duas camadas de dados principais: alertas de desmatamento coletados em 2019 pelo GLAD, o laboratório de Análise e Descoberta Global de Terras da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, e alertas de incêndio da agência espacial americana NASA do mesmo período, revelando uma clara sobreposição entre o desmatamento e as queimadas. Na sequência, pesquisadores do MAAP ampliaram imagens de satélites de alta resolução da empresa americana Planet e da Agência Espacial Europeia (satélite Sentinel-2) de áreas selecionadas e criaram vídeos impressionantes em time-lapse no site da Planet que comprovam focos de incêndios em áreas.

“A questão principal é o desmatamento. Agora faz sentido por que os incêndios tinham tanta fumaça. Parece um incêndio florestal, é fumegante como [seria] um incêndio florestal, mas na verdade são queimadas em áreas desmatadas recentemente. O ponto chave era analisar o arquivo de imagens de satélite coletadas ao longo de 2019. Temos muito mais informações do que uma simples foto”, declarou Matt Finer, pesquisador sênior e diretor do MAAP, uma iniciativa da Associação de Conservação da Amazônia (ACA).

“Não estamos minimizando a importância dos incêndios, mas nossas descobertas estão mostrando que o desmatamento também é uma questão crítica”, disse Finer à Mongabay, que teve acesso exclusivo ao relatório antes de seu lançamento. “O mundo precisa estar tão alerta e incomodado com o desmatamento quanto em relação aos incêndios, porque é com a derrubada da floresta que esse processo, que todo esse sistema, tem início… Precisamos dar ao desmatamento a mesma atenção que estamos dando às queimadas, porque ambos estão conectados.”

Em agosto, dezenas de milhares de focos de incêndio devastaram a região amazônica e provocaram protestos em todo o mundo, com manifestantes no Brasil e em vários países exigindo ações efetivas do presidente Jair Bolsonaro para conter as chamas. Os incêndios na Amazônia tornaram-se destaque depois que um corredor de fumaça repentinamente escureceu o céu de São Paulo na tarde de 19 de agosto, provocando uma onda de consternação nas mídias sociais em todo o mundo sob a hashtag #PrayforAmazonas, que alcançou mais de 300.000 tweets em apenas dois dias.

Bolsonaro reagiu imediatamente, levantando a hipótese, sem qualquer prova, de que ONGs poderiam estar por trás dos incêndios como retaliação contra o Governo por causa da suspensão de um repasse de 33,2 milhões de dólares da Noruega ao Fundo Amazônia.

Especialistas destacaram rapidamente a ligação entre o desmatamento e os incêndios, devido à inexistência de uma estação seca severa deste ano. De acordo com a análise dos especialistas, a estratégia de conversão de floresta em pastagem na Amazônia consiste em cortar árvores da floresta tropical, esperar que a madeira seque e depois incendiá-la para limpar completamente a terra e, com as cinzas, fertilizar o solo onde será plantado o capim para pastagem — um processo que claramente ganhou peso científico com as descobertas do MAAP.

As novas descobertas também parecem sustentar as acusações feitas por críticos de Bolsonaro, de que sua retórica inflamada durante e após as eleições de 2018 encorajou os fazendeiros a derrubaram a floresta amazônica depois que o novo presidente assumiu o cargo em janeiro.

De fato, as autoridades brasileiras estão atualmente investigando um grupo de cerca de 70 agricultores e grileiros no estado do Pará que supostamente organizaram o “Dia do Fogo” em 10 de agosto, em apoio a Bolsonaro e a suas medidas para enfraquecer a ação de fiscalização de órgãos ambientais no país, informou a revista Globo Rural.

Procurado pela Mongabay para comentar o relatório do MAAP, o Ministério do Meio Ambiente não se pronunciou.

Embora a análise do MAAP não tenha detectado grandes incêndios florestais no Brasil até o momento, o risco ainda existe à medida que a estação seca se aproxima, dado que muitas ocorrências de incêndios foram detectadas nos limites entre terras agrícolas e áreas florestais, explicou Finer.

“Os incêndios… atingem a linha da floresta e [parecem] apagar-se, mas [ainda] estão impactando sua borda… E esses incêndios que queimam áreas recentemente desmatadas podem facilmente se transformar em incêndios florestais. Ainda não vimos isso acontecer este ano na Amazônia brasileira, mas, à medida que a estação seca continua, ou se houver um ano de [piora] da estiagem, esse processo de queima de terras desmatadas recentemente ficará muito, muito pior. Podemos começar a testemunhar grandes incêndios florestais”, alertou o diretor do MAAP.

Até agora, o MAAP detectou grandes incêndios atingindo a vegetação nativa apenas em ecossistemas menos úmidos, incluindo a floresta seca da Bolívia e o Cerrado brasileiro.

O relatório também inclui vídeos em time-lapse de alta resolução de incêndios ocorridos nos territórios indígenas Kayapó e Munduruku, onde Finer supõe que as queimadas tenham como objetivo regenerar áreas de pastagem para criação de gado. A área queimada nas duas reservas indígenas totalizou 24.000 hectares e 700 hectares, respectivamente. O relatório também detectou incêndios recentes nos limites do território Kayapó, no norte de Roraima, que queimaram cerca de 930 hectares.

“Quando vimos a floresta seca queimando na Bolívia, lá vimos realmente a imagem que todos tinham na cabeça: incêndios fora de controle, queimando ecossistemas naturais. Mas, no Brasil, toda vez que ampliávamos a imagem de um incêndio, o que víamos era o fogo queimando uma área já desmatada. Nunca vimos um incêndio fora de controle varrendo a floresta tropical [em agosto]”, explicou Finer.

Na versão preliminar do relatório, também obtida com exclusividade pela Mongabay, a área desmatada e depois queimada era de 52.500 hectares (o equivalente a 72.000 campos de futebol).

Em março, o MAAP detectou grandes incêndios florestais no norte de Roraima, incluindo queimadas próximas ao território indígena Yanomami. Entre janeiro e agosto, as queimadas em terras indígenas aumentaram 88% em comparação com o mesmo período de 2018, de acordo com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), citando dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

"A narrativa global [é que] a floresta amazônica está queimando; há incêndios devastando a Amazônia”, conclui Finer. Mas, segundo ele, é fundamental que o mundo “compreenda a importância do desmatamento nesse processo. O cenário principal que estamos vendo é o do desmatamento seguido de incêndio. Essa é a mensagem que o público precisa entender: há duas questões juntas — floresta derrubada e floresta queimada, e não apenas incêndios. E para evitar as queimadas, precisamos evitar o desmatamento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário