domingo, 28 de julho de 2019

Locais abandonados que a natureza reocupou

Senti sempre um grande fascínio por aqueles locais abandonados que a natureza reocupou: Chernobyl, 33 anos após o acidente nuclear; Kolmanskop, uma cidade fantasma, erguida por colonos alemães no início do século passado, em plena febre de exploração de diamantes, e que hoje se vai afundando melancolicamente entre as dunas do deserto do Namibe, ou a incrível cidade submersa de Chiseng, na China.


Vale a pena visitar lugares como estes, primeiro como forma de combater a nossa comum arrogância humana — afinal, estamos de passagem e não deixaremos saudades; segundo, porque esses lugares nos mostram como a vida é capaz de superar as agressões mais cruéis e de ressurgir em novas e surpreendentes formas de beleza. A natureza triunfa repondo a harmonia dos espaços.

Gosto tanto de imagens da natureza ocupando e reciclando a sucata da civilização industrial que as uso como papel de parede do meu computador: a carcaça ferrugenta de um grande navio seminaufragado, algures numa praia do Oceano Índico, de onde irrompe agora um pequeno bosque muito verde; uma velha bicicleta sendo engolida por uma árvore; uma cadeira coberta de musgo.

Certa manhã, há muitos anos, viajando pelo sul de Angola, encontrei um caminhão abandonado na savana. A cabine emergia por entre o capim alto e dourado. Flores amarelas irrompiam, como versos de Manoel de Barros, das pesadas entranhas mecânicas. No assento do motorista havia um ninho com ovos. Fiz uma foto do ninho, e abandonei a cabine como quem sai de uma catedral. A natureza apoderara-se da carcaça do caminhão com tanta autoridade e carinho que ela não parecia ter sido largada ali por mão humana, e sim misteriosamente segregada da terra vermelha pela própria savana.

Aos 20 anos fui ativista ambiental. Conheci bem a rede de movimentos ecologistas que, naquela época, já alertavam para o aquecimento global e outros desastres. O mais radical desses grupos, nascido nos EUA, chamava-se Earth First! (Primeiro a Terra ), e distinguia-se de todos os outros por um certo desprezo com que encarava as ações não violentas e o pensamento pacifista, e por uma descrença amarga na humanidade. Mais tarde, uma ala ainda mais extremista do mesmo grupo criou a Earth Liberation Front (Frente de Libertação da Terra), que defendia, e creio que continua defendendo, métodos violentos, como a sabotagem de empresas ligadas ao derrube das florestas tropicais. Lembro-me de atravessarmos noites tentando convencer os militantes destes grupos de que o recurso à violência, além de ir contra tudo o que defendíamos, era uma completa estupidez, dificultando a implantação do ideal ecologista na sociedade. Alguns dos primeiros dirigentes da Frente de Libertação da Terra estão hoje na cadeia, nos EUA, acusados de ecoterrorismo.

Abandonei a militância ecologista pela pior das razões: por preguiça. E também porque me doía testemunhar de perto tanta destruição. Continuo sendo pacifista. Porém, vendo o estado do planeta, chego por vezes a concordar com os Earth First. Talvez a humanidade seja realmente uma doença, um vírus cego, que nem sequer compreende que matando o corpo do hospedeiro também ele morrerá.

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