Crises econômicas, a China como potência geopolítica, fluxos migratórios “indesejados” na Europa, diminuição da soberania popular na União Europeia, crescimento dos populismos, estreia das mídias sociais como ferramenta de vocação populista e anti-institucional, enfim, são causas que se fazem também consequências e se acumulam criando uma atmosfera, às vezes, com tons apocalípticos aqui e ali.
Estávamos acostumados com um tipo de ciência política ideológica (combate por “causas” diversas) ou preocupada com as virtudes da democracia (como fazer o eleitor mais consciente, como garantir pesos e contrapesos operantes, como garantir a separação entre os poderes da República). Os diversos tipos de ciência política não operam uns contra os outros, só os equivocados pensam isso.
A ciência política empírica, cética ou “desencantada”, como me disse Mark Lilla no Fronteiras do Pensamento no ano passado, não agrada a todos. A expressão desencantada nos traz ecos weberianos. O desencantamento do mundo, tema caro a Max Weber (1864-1920), se inicia com os profetas hebreus, segundo nosso sociólogo clássico.
Ricardo Cammarota |
Uma das marcas de uma ciência política desencantada seria uma ciência política dedicada à busca do entendimento do comportamento dos agentes políticos para além dos mitos, dogmas ou lendas que possamos ter a respeito deles. Alguns pensam que ela teria um ancestral direto em Maquiavel (1469 – 1527), por conta de sua não idealizada análise da natureza humana.
São muitos os mitos, dogmas e lendas sobre o eleitor a serem quebrados. O “eleitor doutor” não vota “melhor”, no sentido de carregar menos viés ideológico em suas escolhas. Tampouco o nível de educação em geral garante menos vieses.
Ninguém tem tempo para se informar muito sobre política em geral, afora profissionais partidários, publicitários e militantes, altamente enviesados, e jornalistas e intelectuais em geral, também com risco de viés ideológico.
Na imensa maioria dos casos, as pessoas estão ocupadas e buscam (quando buscam) informação sobre política apenas pra reforçar sua escolhas e simpatias prévias. Aqui, a dimensão irracional influencia fortemente a racional, mais do que, possivelmente, quando compramos celulares. Somos mais racionais na escolha de celulares e seguros de saúde do que quando votamos.
São muitas as referências bibliográficas disponíveis que abordam essa mitologia do comportamento do eleitor. Hoje vou indicar uma: “The Myth of the Rational Voter”, de Bryan Caplan, de 2007, da Princeton University Press. Numa tradução direta, “O Mito do Eleitor Racional”.
Este é um clássico, fonte para muitos dos cientistas políticos “desencantados” dos últimos três ou quatro anos.
O livro mapeia pesquisas que mostram a baixa racionalidade do eleitor, em alguns dos sentidos que apontei acima. Mas um desses sentidos “desencantados” é, justamente, uma das poucas dimensões racionais da escolha do eleitor: ele dedica quase tempo nenhum à sua escolha porque ele sabe que um voto não significa nada. Ele opta racionalmente por ser ignorante em matéria política. Daí essa tese ser conhecida como a tese da ignorância racional.
A ideia de que o homem age racionalmente otimizando ganhos e recusando perdas, num sentido basicamente econômico e ético, é de raiz utilitarista. Esta tese da escolha racional fundamenta a tese da ignorância racional: dedicamos mais tempo à escolha informada e racional acerca de celulares e seguro de saúde, como disse acima. O voto seria “matematicamente” irrelevante do ponto de vista individual. Com as mídias sociais, esse ignorante racional ficou empoderado.
Luiz Felipe Pondé
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